terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

"Na Bordallo fabrica-se com a arte de outros tempos"

"Parece um regresso ao passado. Na fábrica da Bordallo Pinheiro, nas Caldas da Rainha, quase todos os processos mantêm vivas tradições e artes de outros tempos. Um misto de manufactura e rigor que assegura a continuidade da marca. E lhe garante relações duradouras.

Imagine um prato folha de couve. Ou uma travessa mais moderna, de uma só cor, com pequenos relevos. Se pensa que tudo não é mais do que pegar no molde e colocar numa máquina, desengane-se. São vários processos sequenciais de apuramento, tratamento e garantia de que nada falha. De que nenhuma peça sai daqui com um defeito, por mais pequeno que seja.

Criada em 1884, a fábrica da Bordallo Pinheiro acompanhou o passar dos anos e das tendências. Adaptou-se, lançou novas linhas, fechou parcerias. E, depois da sua compra por parte do Grupo Visabeira, ganhou maior dimensão e passou novas fronteiras, conforme conta Elsa Rebelo, directora criativa da fábrica.
O processo em si, esse, começa na modelação. É aqui que se traçam curvas, rompam concavidades. Corrija-se. Tudo começa, ainda antes, no momento do design da peça. Naquela altura em que se decidem desenhos, se reaproveitam os traços únicos de Rafael, ou em que alguma designer contemporâneo os reinterpreta. Neste momento, a empresa fez uma parceria com um conjunto de designers brasileiros, por exemplo, como Vik Muniz, mas já conseguiu interpretações de traços ditados por Joana Vasconcelos, entre outros. Uma capacidade de adaptação e resposta que a tem projectado mais ainda.

Assim que os desenhos chegam à fábrica, o primeiro passo é a criação do modelo, em gesso. Na máquina do torno, com a ajuda do escantilhão. E do ferro de tornear. Até chegar à medida e à forma pretendidas. Assim que o bloco fica concluído, aplica-se, ou não, o relevo. Só depois de tudo isto - com jeitos e artes de outros tempos - é que é tirado o primeiro molde original. Hoje, a Bordallo Pinheiro tem um acervo de 5000 madres, entre louça réplica de Rafael e a linha mais comercial.
Vítor Formiga está há 30 anos na fábrica da Bordallo Pinheiro. Conhece bem texturas e moldes. E sabe de cor as madres que depois permitirão, essas sim, a reprodução da peça. E que assegurarão a perpetuação no tempo. Ao longo das três décadas acredita já ter feito, com a sua equipa, mais de 3000 modelos.
Mas esta é apenas uma forma. Não a única! Um molde pode ser um autêntico puzzle, um conjunto de dezenas de peças, que é assegurado por uma equipa de oito pessoas.

No piso de baixo, percebe-se a chegada da pasta, que pode ser líquida - a qual se armazena em grandes tanques - ou pastosa, em charutos de barro. Neste caso, a produção segue à prensa, onde se fazem as peças a partir de moldes antes definidos, ou por roler, que permite a concretização de peças de bases circulares e fundas.

Um processo moroso, onde só a montagem do molde na máquina implica a alocação de algumas horas... Mas que será o processo mais mecanizado de toda a fábrica. Porque, aqui, tudo se faz à mão e com pessoas (num total de 160, incluindo a loja). A lembrar as olarias tradicionais!
Passa-se, agora, para o acabamento, após a eliminação de qualquer excesso de barro e garantia de que a peça responde ao exigido para posterior venda ao público.

No enchimento por via líquida, a barbotina (pasta líquida) chega através de mangueiras estreitas e é desejada em moldes, até que estes fiquem cheios. Descansarão durante algum tempo, uma média de 40 minutos, até que ganhem uma parede com determinada espessura. Após se verter o excesso, segue-se nova pausa, que dependerá das dimensões da peça. Só então é chegado o momento de desmoldar a peça que há-de ter a forma do interior do molde.
Enchimento concluído, é a hora da ornamentação... quando em causa está um objecto mais elaborado. Mãos seguras ajeitam cores, desenhos, pormenores que desde sempre fizeram a diferença nos objectos de Rafael Bordallo Pinheiro. Uma rã, uma flor colorida, um pequeno pássaro.
Entretanto, já as peças foram secando. mas é preciso ainda que entrem na estufa, onde toda a humidade fica para trás, para só depois poderem finalmente seguir para o forno, para aquela que é a primeira cozedura, a chamada chacotagem.

Além das linhas Bordallo que são comercializadas em centenas de pontos de venda, a fábrica das Caldas da Rainha responde a pedidos específicos de clientes - lojas espalahadas por vários pontos do mundo -, assim como tem capacidade para conceber projectos de autor, edições limitadas (como para os Bordallianos do Brasil - artistas conceituados como Virgínia Silveira, 20 no total, que passaram pela fábrica e que desenvolveram intervenções a partir de moldes antigos de Bordallo Pinheiro).

Assim que saem do forno, sujeitam-se à pintura, que pode ser em jeito de banho ou pistola, uma a uma. Isto, para as peças em cores lisas. Porque, caso contrário, tem mesmo que ser a pincel, com pintura manual assegurada por meia dúzia de mãos que há anos dão cor às referências da marca. Concluída esta fase, há que regressar ao forno para cozer o vidrado e sujeitar-se a uma temperatura de 1100 graus.

Finalmente o armazém. O espaço último antes da saída da fábrica. E um momento de "uau" face à quantidade e multiplicidade de cores, formatos... Ouvem-se "tlins", uns após outros. Porque cada peça é controlada uma a uma por um grupo de 15 pessoas, sendo que só as que não apresentem qualquer imperfeição é que são carimbadas com a marca Bordallo. Um selo de garantia que permite ainda que não haja dúvidas da sua origem assim que seguem para um ponto de venda. "São várias etapas onde nada pode falhar", confirma Elsa Rebelo."

Texto: Maria João Vieira
Fotos: Paulo Alexandrino
revista Marketeer

Nome de génio

Rafael Bordalo Pinheiro nasceu em 1846 numa família de artistas lisboetas. Quis brilhar nos palcos, mas foi afinal actor crítico de uma sociedade nas páginas das revistas que criou como A Berlinda, A Lanterna Mágica, o António Maria ou A Paródia. Desenhador, gráfico, ilustrador e caricaturista, deve-se-lhe a criação da figura do Zé Povinho. Em 1883, fundou a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, onde, até à sua morte, em 1905, tenta um projecto artístico invulgar de investimento industrial e, simultaneamente, de procura de um certo espírito de ser português.

Hoje, às 19h00, no Museu Rafael Bordalo Pinheiro, debate-se a herança do ceramista e o seu potencial enquanto marca. Catarina Portas, Jean François David e Madalena Mendes tentam contribuir com respostas; venha juntar-se à conversa também. Afinal de contas, Bordalo também é nome de marca?"

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Levar a saudade na mala

De todas as traduções possíveis para a palavra "saudade", logo alguém haveria de se lembrar de a passar a mala. Mas não só. Há outra com nome de bairro, uma com nome de rio, ainda uma terceira de oceano. Na certeza de que todos os nomes das coisas de que gostamos merecem ser repetidos qual melodia que enternece. Como as coisas carinhosamente feitas, para durar uma vida. Ou mais.

"Os nossos sacos são executados à mão, um a um, por artesãos que lhes dedicam todo o tempo necessário até que fiquem como os idealizámos. Somos a favor da simplicidade, de peças que perduram ao longo do tempo, de pais para filhos, com momentos para contar, gravados como tatuagens." SUL

À venda nas lojas A Vida Portuguesa Chiado e Intendente.
"A Saudade é mais um elevado projecto da SUL. Uma recriação dos antigos sacos dos correios usados pelos carteiros portugueses. A marca portuguesa que gosta de brisas quentes transporta-nos com a criação desta peça a um tempo em que se esperava pelo romantismo de uma carta escrita à mão.

O saco unisexo em pele de vaca, vegetal e virgem propõe-se a ficar mais bonito e macio com o abraço da luz do sol e o seu uso pessoal. Com uma alsa amovível, cosido do avesso e virado depois de executado, o saco Saudade guarda um dos maiores tesouros humanos: o elogio às nossas memórias mais antigas."

Sancha Trindade, a cidade na ponta dos dedos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Amor Cruzado

O que é que acontece quando um grupo de artistas contemporâneos é chamado a re-interpretar o bordado tradicional? É isso que vamos ver no dia 14 de Fevereiro (sim, o dos Namorados, não é coincidência), na loja do Intendente.

A ideia veio da Casa dos Carvalhais, com o apoio da Galeria Dama Aflita e a motivação de servir de ponte entre o urbano e o rural, o moderno e o antigo. Assim, convocaram-se seis jovens ilustradores e outras tantas bordadeiras do concelho de Vila Verde (distrito de Braga) para recriar os célebres lenços de namorados.

O resultado final é um cruzamento da visão contemporânea com as técnicas artesanais e vai estar em exposição n' A Vida Portuguesa do número 23 do Largo do Intendente, com honras de lançamento às 17h00 do Dia de São Valentim. Querem coisa mais romântica?!

Na imprensa

"Esta exposição revela a emoção da fusão de duas expressões artísticas de envolvências e épocas distantes: a ousadia urbana da ilustração com a ingenuidade rural do bordado dos Lenços de Namorados. Mas têm muito em comum: ambas são expressivas, visuais, emotivas e intemporais, com o ‘coração na mão’. (...)

A Casa dos Carvalhais desafiou os artistas ilustradores Célia Esteves, Ivo Hoogveld, Joana Estrela, Júlio Dolbeth, Lord Mantraste e R ui Vitorino Santos a inspirarem-se nesta tradição do século XVIII, durante o período de intercâmbio numa residência artística, passada na própria Casa de Campo. A estes juntaram-se as bordadeiras Alice Augusto, Ceú Cunha (da Teciborda), Cristina Lopes, Conceição Pinheiro, Inês Mendes e Vera Cancela, a quem a cooperativa Aliança Artesanal convidou a entrosar os ilustradores com este ícone cultural tão rico, como é o bordado dos Lenços de Namorados. (...)

Quem também não resistiu a este conceito foi a jornalista Catarina Portas, apaixonada pelo que é genuinamente português, e, a partir de 14 de Fevereiro, esta exposição também estará patente no seu espaço ‘A Vida Portuguesa’, em Lisboa."

Correio do Minho

Lenços dos Namorados

Uma invenção original, deliciosa e comovente do espírito minhoto, os lenços de amor ou namorados popularizaram-se a partir do séc. XIX. Se as meninas finas tendiam a bordá-los certinhos a ponto cruz, já as moçoilas do povo preferiram o pé-de-flor e o de cadeia, para composições ricas em corações, chaves, pombas, silva ou mãos unidas, incluindo quadras de amor… fatalmente semeadas de erros ortográficos, fruto da sua fraca literacia.

Obra de rapariga casadoira, o lenço era uma declaração de amor íntima oferecida ao rapaz que desejava. Aceitando o namoro, o rapaz atava o lenço ao pescoço sobre o fato de domingo, exibindo-o com orgulho. Não sendo correspondida, este devolvia o lenço. Ontem como hoje, saindo das mãos das bordadeiras minhotas, um lenço de namorados continua a ser um presente de amor sempre único e precioso. E, se o quiser personalizar, com versos ainda mais certeiros, A Vida Portuguesa aceita encomendas.
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A Casa do Amor

"O projecto Amor cruzado da Casa dos Carvalhais desafiou 6 artistas ilustradores conjuntamente com 6 bordadeiras do concelho de Vila Verde para o cruzamento, intercâmbio e a realização de novas peças artísticas inspiradas na tradição antiga dos lenços dos namorados. 

A ideia original deste projecto surge da Casa dos Carvalhais – Casa de Campo com o intuito de promover e expandir a cultura e tradição local para um território mais amplo. Numa relação entre o rural e o urbano, entre o contemporâneo e as técnicas artesanais, conjugando o minucioso trabalho das bordadeiras e visão de vários artistas e ilustradores, tendo como resultado um cruzamento entre todas as influências para a produção de novas peças artísticas que surgem com uma nova identidade própria.

O colectivo de artistas foi selecionado pela Galeria Dama Aflita (Porto) com curadoria, orientação e participação dos ilustradores Júlio Dolbeth e Rui Victorino Santos. O conjunto de bordadeiras foi selecionado pela Aliança Artesanal de Vila Verde. As bordadeiras e artistas foram convidados para uma residência artística na Casa dos Carvalhais para o intercâmbio e produção artística. Do encontro surgiram 6 novos lenços de namorados Amor cruzado que nas exposições serão acompanhados de uma serigrafia realizada por cada artista. 

Exposições
A exposição dos lenços de namorados Amor cruzado será inaugurada no novo edifício da Aliança Artesanal - Centro de Dinamização Artesanal dia 31 de Janeiro onde permanecerá até dia 12 do mês de Fevereiro dentro do Programa Namorar Portugal no Mês do Romance em 2015, Vila Verde. De seguida será exposta no dia 14 de Fevereiro (dia dos namorados) na Loja A Vida Portuguesa – Intendente em Lisboa. No mês seguinte no dia 21 de Março será exposta na Galeria Dama Aflita no Porto. Finalmente no dia 6 de Junho de 2015 será exposta na capela de Santo António da Casa dos Carvalhais onde permanecerá durante os meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015."

Coordenação e ideia original: Casa dos Carvalhais - Oriz São Miguel, Vila Verde - www.casadoscarvalhais.com
Parcerias: Galeria Dama Aflita, Porto -
www.damaaflita.com, estúdio de serigrafia LAICA PRINT, Porto – www.laicaprint.com , Aliança Artesanal,  Vila Verde - www.aliancartesanal.pt, A Vida Portuguesa, Lisboa-  www.avidaportuguesa.com.
Parceiro Institucional e apoio financeiro: Município de Vila Verde -
www.cm-vilaverde.pt  
Apoio logístico: Restaurante Torres, Município de Vila Verde e Casa dos Carvalhais
Produção: Casa dos Carvalhais e Município de Vila Verde

Artistas
Célia Esteves
Ivo Hoogveld
Joana Estrela
Júlio Dolbeth
Lord Mantraste
Rui Vitorino Santos

Bordadeiras
Alice Augusto
Ceú Cunha - Teciborda
Cristina Lopes 
Conceição Pinheiro
Inês Mendes
Vera Cancela