quinta-feira, 10 de março de 2011
Negócios da nostalgia
"Os produtos tradicionais estão na moda e voltaram a ocupar lugar nas prateleiras das lojas, mas não aqueles a que pertenceram durante anos. Hoje vendem-se em espaços nobres da cidade ou integram roteiros turísticos. E alimentam negócios de sucesso.
Como dizia o anúncio do restaurador Olex, na TV de outros tempos, um preto de cabeleira loura ou um branco de carapinha não é natural, mas encontrar quem lave os dentes com pasta medicinal Couto, leve conservas Tricana a uma mesa nobre ou decore a casa com presépios coloridos de cerâmica começa a ser. A culpa é de quem abriu o baú das recordações e decidiu recuperar, ou não deixar morrer, verdadeiras heranças culturais portuguesas que, como diz Catarina Portas, também ajudam a saber quem somos e a conhecer as nossas raízes.
Na Vida Portuguesa, que fundou, a empresária deu novas asas às andorinhas Bordalo Pinheiro, ao creme Benamor, ou mesmo às sombrinhas de chocolate da Regina. Um 'bestseller' das lojas no Chiado, em Lisboa, e na baixa do Porto.
Não que a maioria dos produtos disponíveis na Vida Portuguesa não tenha vida fora dela, mas a ideia de juntar produtos dispersos e dar-lhes uma visibilidade que não tinham fez do projecto um sucesso e serviu de inspiração a outros, criando uma espécie de onda revivalista, que alimenta hoje vários negócios.
Não é o caso da Feitoria, que aponta para outros alvos, embora com o mesmo fundo de tradição. Aqui o objectivo também é o de recuperar produtos antigos, mas o foco está no artesanato português e na arte popular.
Tal como Catarina Portas, também Alexandra Melo tinha o gosto pelas marcas da tradição portuguesa. Nas cerca de duas décadas em que trabalhou como jornalista teve oportunidade de recolher informação na área e nas viagens que foi fazendo pelo país também absorveu informação. Quando achou que tinha chegado a altura de mudar de vida e abraçar novos projectos começou a desenvolver a Feitoria, que nasceu primeiro na internet e só há dois anos ganhou uma loja física.
Confessa que fez nascer a sua montra de artesanato tradicional a pensar no mercado internacional e nos portugueses que, fora do país, haveriam de querer procurar raízes, mas nos primeiros anos do projecto constatou que 90 por cento das vendas ficavam em Portugal. Algum trabalho para melhorar a visibilidade do site nos motores de busca internacionais garantiram um melhor equilíbrio entre nacionais e estrangeiros, mas as vendas domésticas continuam a ser mais relevantes, mostrando que a nostalgia pelos antigos peões e brinquedos de Madeira ou pelos corações de filigrana está por perto, só precisava de ser explorada.
Passa-se o mesmo com a Vida Portuguesa, embora nos meses em que os lisboetas saem da cidade - como Agosto - metade das vendas da loja cheguem a ser garantidas pelos estrangeiros que visitam o espaço. "Estes produtos tocam tanto os estrangeiros como os nacionais", defende Catarina Portas, que mesmo antecipando muito potencial por explorar para a sua Vida Portuguesa no mercado doméstico, começa a consolidar uma rede de parcerias para levar a tradição portuguesa a novas paragens. Percorrendo esse caminho, já garante vendas regulares para países como o Japão, França ou Nova Iorque, para o Moma (Museum of Modern Art), por exemplo.
Explorar um potencial pouco valorizado.
Curiosamente, a manufactura que durante anos serviu de pretexto para o atraso da indústria portuguesa revelou-se um trunfo a explorar. Uma herança valorizada, mesmo para quem não cresceu a ver os produtos que conseguiram resistir à pressão do grande consumo. É isso que também ajuda a explicar que nas vendas de Alexandra Melo para o mercado internacional façam sucesso os trajes tradicionais portugueses, ou que as típicas botas alentejanas encontrem um público interessado na Alemanha.
O 34 da rua dos Bacalhoeiros.
A qualidade associada às marcas ou estilos que vêm do passado e se mostrar capazes de chegar ao presente marcam pontos e são, como reconhece Catarina Portas, um elemento-chave para que as pessoas compreendam o seu valor e estejam dispostas a pagar mais uns cêntimos, ou euros, para os adquirir. Isso e o serviço associado, que pode traduzir-se na história bem contada da tradição que representam - como fazem quer a Feitoria, quer a Vida Portuguesa nas suas lojas on-line que partilham a mesma plataforma - quer no cuidado em personalizar um sabor, à medida do gosto de cada cliente.
A Conserveira de Lisboa nasceu em 1930 e Regina Cabral Ferreira tem a certeza que foi essa combinação entre a qualidade dos produtos e o serviço ao cliente que a conduziram a 2011, de passagem para os anos seguintes. Mais do que uma simples loja, o 34 da Rua dos Bacalhoeiros é uma herança cultural da capital. Preserva marcas próprias com mais de 50 anos e a traça do espaço que começou por ser uma mercearia. Juntou-lhe inovação de produto e a criatividade de uma terceira geração da família fundadora, desperta para o design, o marketing e as parcerias gourmet, que levam o atum e a sardinha à mesa de chefs como Vítor Sobral ou Henrique Sá Pessoa.
Pela loja vão passando os clientes de sempre e novos. "Hoje voltámos a todas as mesas", diz Regina, que nos 80 anos de história da empresa criada pelos sogros tem nota de vários altos e baixos. Tem também bem identificados os factores de sucesso do seu negócio e acredita que dominá-los trouxe benefícios à Conserveira e aos seus parceiros. A fábrica açoriana de atum, que desde 1948 satisfaz as necessidades da loja, chegou a mercados internacionais como italiano também graças à relação com a Conserveira.
Nas novas montras de produtos antigos, como a Feitoria ou a Vida Portuguesa, esse impulso também acaba por acontecer, de forma mais ou menos directa. É isso pelo menos que Alexandra Melo sente quando se vê a fazer o marketing da arte popular portuguesa que enche as suas lojas e que de outra forma provavelmente não chegaria aos turistas que passam pelo aeroporto de Faro.
Noutros casos, estes projectos contribuem para fazer reviver o interesse por produtos que até estavam à mão do público, mas não à vista, porque ofertas mais recentes e mais modernas os remeteram para o fundo de um armazém ou de uma prateleira discreta de uma loja.
Na oferta da Vida Portuguesa um exemplo interessante é o das Andorinhas Bordalo Pinheiro. Idealizados em 1891, os moldes destas peças foram-se mantendo na oferta do grupo, mas começaram a perder-se no tempo e quando a empresa de Catarina os começou a comercializar as vendas no fabricante não iam além das 50 unidades ano. No ano passado a Vida Portuguesa vendeu 10 mil unidades." Texto de Cristina A. Ferreira /Casa dos Bits. Fotografia de Miguel Baltazar. Jornal de Negócios.
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