segunda-feira, 12 de março de 2012
"Na Lourinhã, o segredo do negócio da aguardente está em saber esperar"
"A Adega Cooperativa da Lourinhã e a Quinta do Rol são os únicos produtores da região demarcada de aguardente que em Março comemora 20 anos. A exportação está agora no horizonte.
Uma gestão com nervos de aço e muita paciência. Quem quiser lucros imediatos enganou-se no negócio. Para se produzir aguardente de qualidade é preciso investir todos os anos e esperar pelas primeiras receitas ao fim de dez a 15 anos. Uma aguardente OX (com mais de dez anos) é um produto valioso, "mas é preciso coragem para estar muitos anos a produzir e a não vender", explica Carlos Melo Ribeiro, proprietário da Quinta do Rol.
No seu caso, são cerca de 120 mil litros de vinho que todos os anos são destilados e transformados em 10 mil litros de aguardente que são envelhecidos em cascos de carvalho. Levou uma década a repetir todos os anos esta operação e, embora ao fim de dez anos já pudesse comercializar uma aguardente OX, preferiu esperar ainda mais cinco antes de começar a escoar - com conta peso e medida - o precioso líquido que foi ganhando valor ao longo do tempo.
A Quinta do Rol (que também produz pêra rocha e tem vários hectares plantados com pinheiros) factura cerca de 200 mil euros de aguardente da Lourinhã. Carlos Melo Ribeiro - que é também o presidente da Siemens Portugal - não refere os lucros, mas afirma que, se se meteu neste negócio, foi para ganhar dinheiro.
"Ao produzir aguardente numa região demarcada estou a valorizar activos, porque passei de uma produção indiferenciada para um produto de luxo", explica. A sua propriedade, que herdou do pai, produz a marca Quinta do Rol, que é vendida no El Corte Inglês, em garrafeiras, nalgumas feiras do Pingo Doce e escoada também directamente para restaurantes. Cada garrafa de meio litro ronda os 50 euros.
No horizonte está a duplicação da facturação, o alargamento das vendas a mais garrafeiras e até a exportação para o "mercado da saudade". Macau, Angola e Brasil estão no horizonte como os destinos mais prováveis.
Mas é também na Quinta do Rol que é produzida a aguardente da Lourinhã com mais prestígio - a Magistra, que resulta de uma parceria de Carlos Melo Ribeiro com a Herdade do Esporão, e que obteve o Prémio de Excelência 2010 da Revista de Vinhos. Um galardão ao qual se junta o da própria garrafa, inspirada nos frascos de perfume e apresentada numa caixa de madeira de linhas depuradas, que obteve também um prémio platina pelo seu design.
Demarcada desde 1992.
João Pedro Catela, presidente da direcção da Adega Cooperativa da Lourinhã - que produz igualmente dez mil litros de aguardente por ano -, ostenta com orgulho as três medalhas de ouro já conquistadas.
E não se queixa das vendas. Metade da produção é escoada para as grandes superfícies, sobretudo o Continente, o Jumbo e o El Corte Inglês. O resto vai para pequenos distribuidores e garrafeiras. Mas para breve, fruto de uma negociação difícil, a aguardente da Adega Cooperativa da Lourinhã entrará no free shop dos aeroportos de Lisboa e Porto.
A região demarcada foi a oportunidade para salvar uma adega cooperativa que, como outras na região oeste, estaria condenada ao encerramento, se insistisse em continuar a só produzir vinho. De resto, há 200 anos que este era "queimado" e a aguardente vínica dele resultante vendida para os produtores de vinho do Porto no qual diluíam o precioso néctar.
Não era por acaso que os vitivinicultores da região demarcada mais antiga do mundo buscavam na Lourinhã uma tão decisiva matéria-prima. A região reúne características ímpares que desde sempre proporcionavam boas aguardentes e foi isso que levou, em 1992, à criação da região demarcada.
A Adega Cooperativa tem 200 inscritos, mas são só cerca de 20 os que contribuem com as suas uvas para fazer o vinho que dará origem à aguardente. A cooperativa paga-lhes 0,25 euros por cada quilo de uva que vai para a destilaria, enquanto, na região, a uva destinada a produzir vinho é paga a 0,15 ou 0,16 euros o quilo, explica João Pedro Catela. Uma remuneração que espelha bem o valor da aguardente, o tal produto que demora mais de uma década a ser "fabricado".
"Mas enquanto a roupa passa de moda e a comida perde a validade, este é um produto que se valoriza com o tempo", diz o dirigente associativo. Neste negócio, o segredo está na boa gestão dos stocks "e em saber quando vender para aguentar as despesas", diz João Catela.
"O problema é que, se precisamos de dinheiro para investir, os bancos não nos emprestam, mesmo sabendo que temos as vendas asseguradas. Nem as sociedades de capital de risco nem a banca nos emprestam nada, nem mesmo com penhora mercantil", lamenta-se.
E, no entanto, se é um facto que o património físico da adega cooperativa pertence ao Instituto do Vinho e da Vinha (ao Estado), pelo qual pagam uma renda, a verdade é que nos esconsos e húmidos corredores do edifício, onde coexistem teias de aranha com cascos de carvalho cheios de aguardente, está um activo que vale mais de um milhão de euros.
A cooperativa conta apenas com três empregados fixos e não tem um departamento comercial, nem recursos para investir em feiras. A exportação não é, para já, uma opção, mas João Catela diz que a designação "Lourignac", por alusão ao Cognac e ao Armagnac, pode ser uma boa ideia para os mercados externos. "[Há porém] quem critique por estarmos a afrancesar um produto nacional."
Carlos Melo Ribeiro não concorda com o termo e acha que não é por aí que o produto se afirmaria. A desproporção com os franceses é enorme: 20 mil litros de aguardente portuguesa produzida em região demarcada contra 150 milhões de litros em França.
"Os franceses nem sabiam que nós existíamos. Fui, com o nosso enólogo, Pedro Correia, visitar a região de Cognac e Armagnac e eles, ironicamente, disseram que ficavam satisfeitos por haver mais gente a aguçar o gosto dos consumidores pela aguardente, porque assim haveria mais gente a comprar-lhes. A verdade é que eles têm uma região demarcada há 200 anos e nós temos 200 anos de produção, mas só fizemos a demarcação há 20."
Público, 11 de Março 2012. Texto de Carlos Cipriano, foto de Miguel Manso.
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