quarta-feira, 17 de abril de 2013

Como se faz um livro-fábrica



DAS MALHAS QUE O TEMPO TECE. Estiveram em exposição em Guimarães e encontram-se agora reunidas em livro as imagens que o fotógrafo e realizador Daniel Blaufuks captou da Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela (em Santo Tirso). Outora fulgor de prosperidade - chegou a ser a segunda maior de toda a Europa - agora esquecida pelo homem e até mesmo pela memória. Imagens da poesia do abandono, ruínas que continuam a ter uma história para contar, já à venda n' A Vida Portuguesa.



"O fotógrafo português espantou-se com o que já foi a segunda maior fábrica têxtil da Europa e fez um livro e um filme. E uma exposição que pode ser vista em Guimarães

O pulsar de um metrónomo preenche toda a sala. Um tiquetaque constante que lembra a passagem do tempo, ainda que por ali pouco ou nada se mova. Há pouca luz e olhar as fotografias nas paredes exige esforço. Ao fim de alguns minutos, o som de uma campainha interrompe o compasso. Como se a fábrica nos chamasse para voltar ao trabalho. Seria assim o dia-a-dia de uma das maiores empresas têxteis da Europa? Sim. Pelo menos, na visão que Daniel Blaufuks expõe em Guimarães até Maio.

Nas imagens que o fotógrafo lisboeta realizou, durante o ano passado, numa antiga empresa têxtil, há sobretudo um vazio. Um vazio de gente, mas também de máquinas, de movimento e de ruídos. O que o artista fez em Fábrica foi imaginar o que estava para lá dessa ausência. "Aquilo está vazio e tentamos imaginar o que teria sido", explica Blaufuks. Esse exercício é feito através do que foi o seu trabalho no local, mas também de uma componente documental, através da recolha de carimbos, fichas de trabalhadores, folhas de salário, regulamentos, moedas de cartão, entre outras fontes encontradas ainda na empresa.

O espaço que Blaufuks fotografa e filma é o da Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela, em Santo Tirso. Fundada em 1845, a empresa está desactivada e é um monstro à margem da Estrada Nacional n.º 105, que atravessa o vale do Ave em direcção ao Porto. Tem cerca de nove mil metros quadrados e albergou aquela que foi a segunda maior fábrica têxtil da Europa, chegando a empregar 5000 trabalhadores. O gigantismo da estrutura causou um "espanto inicial" no fotógrafo e acabou por influenciar este trabalho. "Se fosse uma fábrica mais pequena, se calhar teria feito alguma coisa, mas não teria feito um livro", admite, por isso.



Mas Fábrica não é apenas sobre a têxtil Rio Vizela, é um trabalho sobre a ideia de fábrica e de como nos afastamos do tempo industrial. Nesse sentido, presta-se a uma abordagem política. Do vale do Ave, Daniel Blaufuks vê o desaparecimento da classe operária europeia. Por isso, entende ser "fundamental pensar nisso". "Porque no fundo tem muito a ver com a crise em que a Europa se encontra", acrescenta, ainda que recuse qualquer nostalgia sobre esse tempo.

Este trabalho de Daniel Balufuks foi crescendo em torno de um conjunto de acasos. O primeiro foi a vontade do fotógrafo em acompanhar a rodagem da curta-metragem que o espanhol Victor Erice realizou para a Guimarães 2012 - e que é um dos segmentos do filme colectivo Centro Histórico, onde também participam Manoel de Oliveira, Pedro Costa e Aki Kaurismaki e que a Capital Europeia da Cultura estreou no ano passado, no festival de Roma. Em Vidros Partidos, o espanhol centrou-se, porém, nas histórias reais dos operários. A fábrica ficou fora de campo. E como o realizador praticamente não usou planos da fábrica, o fotógrafo percebeu que o material que tinha recolhido podia dar origem a um projecto maior.

O projecto maior é um livro, uma co-edição Pierre von Kleist Editions e Guimarães 2012, através do projecto Reimaginar Guimarães, que durante o último ano recuperou alguns arquivos históricos de fotografia vimaranenses e comissariou trabalhos de re-fotografia contemporânea da cidade. Lá dentro, pode também ser encontrado um filme feito por Blaufuks nas suas passagens pela firma, numa edição em DVD. Fábrica é também uma exposição, inaugurada no passado sábado, podendo ser visitada até 26 de Maio, no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA).

Na galeria - que também ocupa uma antiga fábrica têxtil, na zona urbana de Guimarães - podemos ver a projecção do filme, a instalação dominada pelo som do metrónomo e as imagens de Blaufuks. Apesar desta ser uma exposição de um fotógrafo, não tem o conceito normal de fotografia, impressa e emoldurada. O que vemos são provas de impressão do livro e algumas impressões de menor qualidade das imagens que surgem no livro. Porque Fábrica, a edição em papel, é o objecto central do trabalho, não é um catálogo de exposição. Daniel Blaufuks arriscou. O CAAA é "o sítio certo para arriscar", entende. Porque, se a exposição "tem um espaço de vida", o livro ficará por muito mais tempo: "Não está ligado ao espaço nem ao tempo em que o trabalho foi feito"."

Texto de Samuel Silva, jornal Público.



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