sábado, 5 de outubro de 2013

O futuro do passado


"Se a valorização das boas marcas portuguesas de antigamente se tornou coisa de tendência, Catarina Portas não está de todo isenta de "culpa". Projetos como as lojas A Vida Portuguesa ou os Quiosques de Refresco vieram dar o merecido protagonismo a muito do que Portugal vem fazendo bem há largos anos. O que faz da jornalista a pessoa certa para falar sobre coisas vintage - desde que a palavra "vintage", propriamente dita, não venha à conversa.

Afinal, o que é isto do vintage?
Tenho uma certa intolerância ao termo "vintage", acho que é usado abusivamente. Vintage é o vinho em anos especiais. Tudo bem que se alargue a outras noções, agora de repente "tudo o que é velho é vintage" já me parece um barco demasiado grande. É um termo demasiado genérico e nunca chamei vintage àquilo que fazia.

Então é o quê: antigo, clássico, velho?
Acho que me dou melhor com o clássico. A ideia inicial foi ir buscar marcas com história, queria que as pessoas compreendessem que eram marcas antigas no mercado com produtos que já existiam.

Produtos com memória?
Sim. Uma fábrica como a Ach Brito faz muita coisa diferente, com ar mais atual, mas na altura fui buscar coisas intemporais, como a Lavanda. para alguns será uma questão de memória, mas outros descobrem-na agora. O Restaurador Olex não estava à venda na loja. Mas, de facto, tive que introduzi-lo porque as pessoas não paravam de pedir.

Esses eram também produtos da sua infância?
Nem por isso. Alguns sim, outros não. Tive uma infãncia muito estrangeirada e isso também ajudou quando fui à procura - tinha açguma distância em relação a eles. E muitos eram apenas de distribuição regional.

Os fornecedores ficaram surpresos quando os contactou para iniciar o projecto A Vida Portuguesa?
Não. tem graça, diz-se que fiz que as fábricas voltassem a produzir. Eu não fiz nada, as coisas já existiam, as pessoas tinham deixado de as encontrar porque a distribuição também se alterou muito ao longo dos últimos trinta anos. Lidamos com empresas muito variadas, do pequeno artesão até uma unidade de produção com centenas de trabalhadores.

Que surpresas guardou para a nova loja A Vida Portuguesa do Largo do Intendente, em Lisboa?
É um prolongamento natural do projecto. Aquilo que fizemos em relação às marcas pequenas de uso doméstico queremos fazer agora em relação à área de casa. Não vamos vender móveis, mas pratos, talheres, copos, roupa, sapatos, banheiras, além da secção de mercearia, que vai ser muito maior e incluir vinho.

A localização da loja é fundamental?
É, leva muito tempo. A do Chiado levou nove meses, a do Porto foi ano e meio e a decisão da do Intendente foi também longa. É um desafio abrir uma loja de quinhentos metros quadrados no intendente, que não é propriamente uma zona comercial, é colocar a fasquia um pouco alta. mas se não for isso, o que andamos aqui a fazer? Há muitas coisas novas a surgir por ali. O sítio para onde nós vamos é lindo. Em junho do ano passado fui ver o espaço e fiquei absolutamente apaixonada. Tive a certeza de que ali se faria uma belíssima loja.

Tem a noção de que, quando abre uma loja ou um quiosque, essa zona da cidade fica na moda?
Bem, tem acontecido. Acho que ajudamos porque a minha ideia sempre foi provar que era possível abrir lojas nos centros históricos e não era preciso demolir tudo e fazer uma caixa de sapatos branca com focos embutidos para ter sucesso. É possível preservar os espaços comerciais históricos, é uma actividade quase pedagógica. É muito mais fácil destruir do que preservar. Não quero armar-me em educadora do povo, mas esse desejo de dar o exemplo de que é possível pode contribuir para o sucesso - isso aconteceu na loja do Chiado.

Muita gente seguiu os seus passos, após o êxito d' A Vida Portuguesa.
Tem a ver com vários fatores, mas sim, há muitas inspirações, por vezes mais do que isso. As lojas para turistas vendiam Nossas Senhoras de Fátima e Galos de Barcelos, agora vendem sabonetes e conservas, não é? (risos) O facto de o turismo ter aumentado contribuiu para que surgissem mais lojas e houve inspirações de norte a sul, mas não é nada que me incomode demasiado, porque o que essas lojas fazem é encomendar às fábricas que eu quero que continuem a fabricar. O meu projeto inicial tinha que ver com isso, assegurar o futuro. E depois, nenhuma loja é igual à nossa. Temos um grande e longo trabalho de pesquisa. E parcerias muito fortes com as fábricas."

Entrevista de Ricardo Santos
Fotografia de Fernando Marques
Revista Evasões Outubro 2013

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