sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Vida é um palco

"O que é popular é bom. A propósito do novo álbum dos Deolinda - banda revelação da revista Songlines - juntámo-los a Catarina Portas, da loja A Vida Portuguesa. Texto de Gonçalo Frota. Fotografias de António Pedro Santos.

(...) A situação encontra um eco natural na experiência de Catarina Portas à frente da loja A Vida Portuguesa, onde se vendem sabonetes Confiança, lápis Viarco ou andorinhas Bordalo Pinheiro, expostos em prateleiras que além dos produtos proporcionam viagens instantâneas ao passado. Ah, pois tem aqui estas coisas do tempo do Salazar, ouviu remorder umas quantas vezes ao balcão. Mas, por outro lado, lembra, alguém lhe segredou também que não conseguia arrastar a mãe para fora, por se tratar da loja perfeita para um comunista. As coisas podem tocar a todos de formas muito diferentes, concluem os cinco sem discussão.

Parolos chique. Agora que os Deolinda estão a lançar o segundo álbum, Dois Selos e Um Carimbo, custa até a crer que tenham passado pela típica história de levarem com portas no nariz antes de alguém acreditar sem reservas nas histórias cantadas por Ana Bacalhau. (...) Depois, reconhecem, com o sucesso crescente do álbum Canção ao Lado, foi fácil sentirem o afecto do público e tornou-se óbvio que as pessoas estavam à procura de uma forma de se reconciliarem com o seu passado. Diz Catarina Portas que tinha igualmente um feeling de que as pessoas precisavam disto, precisavam de gostar das suas coisas, de gostar do seu país. (...) Ana vai dizendo que o mergulho no passado é o antídoto óbvio para a normalização cultural a que assistimos nos últimos anos. Num mundo em que tudo é igual, em que se encontram os mesmos restaurantes em qualquer cidade do planeta, precisamos de algo que nos distinga. Luís José Martins, habitualmente atrás da guitarra, sintoniza o diagnóstico final com Catarina Portas e dizem quase a uma voz: A geração antes da nossa, que passou pela Revolução, tinha um enorme desencanto com o seu país, e enquanto eles viviam mais em negação com o passado nós já vivemos pacificamente com ele.

As variações de António. Tocava a Maria Albertina que António Variações deixara fechada dentro de uma caixa de sapatos, perdida numa cassete que resistiu estoicamente a duas décadas de esquecimento. Catarina Portas estava na Feira de Barcelos, quando ouviu a canção gritada por um leitor de CD numa banca e algo em si fez um clique que a lembrou da importância de Variações no seu projecto A Vida Portuguesa. Alguns anos antes, andara por aqueles lados a pesquisar a vida de Variações para um filme de João Maia sobre o músico português ao mesmo tempo que andava a perder manhãs e tardes enfiada em mercearias e drogarias a descobrir os produtos tradicionais que haviam de encher as prateleiras da sua loja. Entre Braga e Nova Iorque, a expressão emblemática que resumia a criação musical de Variações, também a quis para si. (...) Comecei a olhar para Portugal com os mesmos olhos com que olhava para a Índia e a comer selvaticamente com os olhos. E hoje em dia, excita-me imenso ir a Portugal. É uma arca magnífica para ir buscar coisas e transformá-las ou não."

Excertos da entrevista publicada na revista Tabu do jornal Sol, 7 de Maio de 2010. A Vida Portuguesa também colaborou com o videoclip do tema Um Contra o Outro, emprestando brinquedos como o táxi, o rapa e o pião. Brinquedos sem idade.

2 comentários:

Unknown disse...

Olhe Catarina, é pena que a menina não entenda que a boa educação também é bonito de se ver numa pessoa. É muito triste pensar que lá por se chamar "Portas" ou andar com dinheiro em forma de roupa em cima da pele pode ser malcriada para os outros.
O mais engraçado é que as pessoas verdadeiramente de bem que conheço são realmente bem educadas e respeitam o outro seja ele de que classe social for. Costumava mandar as minha empregadas comprar algumas coisas à sua loja, mas tanto eu como algumas das minhas amigas já o deixamos de fazer. é vergonhoso que a menina tenha essa maneira de ser. tome vergonha e eduque-se!

Anónimo disse...

Ia contente aqui deixar o meu comentário quando tropeço neste! ena!

adiante.
tenho pensado muito no que aqui está escrito, neste post em particular. Creio que a geração dos Deolinda, a minha (sou amiga do Luís), está a entrar num processo de aceitação do passado e da identidade cultural. Filhos do pós 25 de Abril, não conhecemos directamente a ditadura. Tudo se processa por ciclos, em que nos afastamos e aproximamos da tradição. Neste início de século, a crise não é só económica... anda tudo às aranhas e nada como nos voltarmos para nós próprios. Se não o fizermos ninguém o fará por nós e a cultura popular acaba por se perder.
entristece-me ver que há coisas que se perdem irremediavelmente, trabalhos manuais. nas últimas semanas coleccionei berloques em prata comprados na baixa. há um, em particular, que é uma lata de sardinhas com sardinhas lá dentro. dos lados diz sardinha e Portugal. uma delícia. daqui a uns anos nunca mais os encontraremos.

quando tiver tempo vou publicar um post sobre isto, mas já se faz tarde.
boa noite