quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O NOSSO TEMPO

"Numa altura em que a grande distribuição domina o mercado há empresas portuguesas que tentam combater essa concorrência feroz. Muitas dessas empresas estão representadas na loja A Vida Portuguesa de Catarina Portas. Há cinco anos ela propôs-se pesquisar marcas antigas e através delas contar a história da vida quotidiana em Portugal no século XX. A ideia transformou-se num êxito. (...)


"Estamos a trabalhar com uma comunidade nossa com regras que conhecemos, portanto, estamos a ajudar a nós próprios e à nossa comunidade. Eu também gosto de produtos estrangeiros mas nós também fazemos coisas belíssimas e por isso não há razão nenhuma para preferir estrangeiro quando ao lado há um produto português tão bom ou melhor."

Depois de vários anos a trabalhar como jornalista, Catarina Portas propôs-se pesquisar sobre a vida quotidiana em Portugal no século XX. Andou pelo país a inventariar a produção nacional, percebeu que a grande distribuição alterou as regras de consumo, constatou que algumas marcas não resisitiram, outras perduraram no tempo, e concluiu que todas elas podem contar uma história.

"Ao juntar histórias e ao juntar produtos era possível contar a história de um país também pelos seus bens de consumo. Eles contam uma série de histórias, sobre o país que fomos, o que gostámos, o que preferimos, o que rejeitámos, a importância das nossas marcas em relação às marcas estrangeiras também. Essa relação é interessante também para nos percebermos enquanto povo."

E foi assim que surgiu A Vida Portuguesa. Em 2007 abriu a primeira loja em Lisboa, mais recentemente no Porto; ambas funcionam em edifícios antigos. "Quisemos vir para espaços antigos, provar que era possível fazer lojas de sucesso, que corriam bem em espaços antigos sem ter que destruir tudo nem dar cabo da memória dos espaços antigos."

A loja de Lisboa foi em tempos uma fábrica de perfumes. os grandes armários e mesas compridas dessa época estão agora repletos dos mais variados produtos, uns mais conhecidos que outros mas todos inteiramente portugueses.

"Eu fui aprendendo ao longo destes anos a ter um enorme respeito sobretudo pelas empresas familiares que ao longo de gerações atrás de gerações foram preservando uma marca, um saber, os empregos daquela empresa." (...)

"O nosso atraso pode ser o nosso avanço, é uma teoria que eu defendo. O facto de nós nos termos industrializado um bocadinho mais tarde, de termos perdido a manufactura mais tarde, a maior parte dos países da Europa perderam isto, nós ainda temos, aqui ainda temos um bocadinho e isto devia ser explorado, não devia desaparecer um artesão que fosse em Portugal sem passar o seu conhecimento às gerações seguintes."


A história da centenária Viarco cruza-se com a de José Vieira. Bisneto do fundador, cresceu entre máquinas, tábuas de cedro e grafite. E sem nunca ter feito parte dos seus planos, comprou há um ano a fábrica da família.

"Se nós quisermos efectivamente preservar esta organização, nós não podemos estar focados apensas no curto prazo porque o negócio não tem interesse. Se fazer lápis fosse um grande negócio existiam muitas fábricas e não existem. Em rigos é a única na Península Ibérica. Continua a produzir lápis na maior parte das vezes de forma manual. É de resto essa a mais valia desta fábrica.

"São equipamentos muito manuais, ou seja permite-nos fazer coisas que os outros não fazem. Se a isso aliarmos conceitos diferentes, ou seja, design e criatividade temos aqui uma boa base para nos diferenciarmos da concorrência."


Fátima e Carmen conhecem bem a concorrência. Na hora de falar de qualidade nem sequer hesitam. "É tudo artesanal mesmo, aqui é só artesananto, não há nada de industrial, de máquina. Portanto penso que isto tem mais importância."

Carmen cresceu na rua onde funcionava a antiga fábrica. "Em criança sempre ouvi o bater dos teares na rua. A rua era muito calminha e do lado oposto da minha casa era a fábrica." Já lá vai o tempo em que os teares funcionavam assim, todos em simultâneo era trabalho exclusivo de homens dada a dureza do ofício. As mulheres ficavam com os acabamentos ou faziam "canelas" ou seja fiavam a lã nestes pequenos objectos de madeira. Agora são só três tecedeiras que trabalham para esta teimosia de Mizette Nielsen, uma holandesa radicada em Portugal há mais de 50 anos.

"A manta é a vida portuguesa não é? Eu acho que pus a manta e Reguengos e Monsaraz novamente no mapa e os visitantes que nós temos vêm do mundo inteiro".

A fábrica trabalha agora praticamente só por encomendas. Mizette transformou as mantas em tapetes mas manteve a origem do processo e os padrões.

"Toda a gente tem edredões, já não há pastores que vão para o campo com mantas. Fazemos agora como tapete, à medida e com as cores que as pessoas querem. Mas sempre com um traço nosso que é alentejano."

Hoje estes desenhos decoram hotéis em Portugal e em todo o mundo mas continuam a ser um produto único e genuinamente português.

"A lã é de merino, é fiada na Guarda, tingida em Mira d'Aire, dá uma grande volta. E as ovelhas são nacionais ainda, claro"."

Para ver o programa, na RTP play.

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