terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"Jamais recorreria à Bolsa para financiar A Vida Portuguesa"


Fez chapéus, foi jornalista durante quase 20 anos - começou aos 19 anos -, passou pelas rádios jornais e televisões, mas, em 2004, lançou-se no mundo dos negócios. Catarina Portas criou uma das marcas mais reconhecidas no contexto das PME: a Vida Portuguesa, que se dedica a vender produtos nacionais antigos. Mais tarde virou-se para os quiosques tradicionais de Lisboa. Recuperou os quiosques e as receitas das bebidas de época que lá se vendem. Em Dezembro de 2009, foi escolhida pela revista britânica Monocle, um dos 20 nomes, a nível mundial, que merecem um palco maior e, um ano mais tarde, integrou a lista de talentos globais que ditam as tendências do futuro da revista Wallpaper. É também irmã do vice-primeiro-ministro Paulo Portas.

Esta sexta-feira foi dia de festa do lançamento da loja A Vida Portuguesa, no Intendente, com uma área de 500 m2. Qual foi o investimento e quantos empregos criou? 

Primeiro, é uma aventura, nesta altura, neste contexto e nesta zona da cidade. Não era previsível que uma loja deste tamanho e desta envergadura nascesse, talvez por isso me tenha dado tanto gozo fazê-la. Mas sim, isto significa para A Vida Portuguesa e para mim, um encadeamento lógico, porque estamos a vender mais marcas. Agora estamos a ir para a área de casa. Sempre me pareceu que esse seria o caminho. Aumentámos bastante a equipa, temos, neste momento, mais nove pessoas.

Quantas pessoas tem a equipa?
Se contarmos com a loja do Porto, que é uma sociedade com a Ach Brito, no mês passado, paguei 26 salários d’A Vida Portuguesa.

Qual foi o investimento na loja do Intendente? 

Cerca de 130 mil euros.

Beneficiou de apoios do Estado? 

Zero. Aliás, porque estou a operar na área de Lisboa, que não é abrangida pelos QREN, não tenho esse tipo de apoios. Consigo entender a lógica desse dinheiro, mas, às vezes, as lógicas que entendemos na teoria, nem sempre se aplicam na prática. Ou seja, é muito mais fácil se quiser desenvolver um projeto numa aldeia onde vivem dez pessoas. Tenho acesso a imenso dinheiro. Mas, se estiver em Lisboa, onde estão os clientes, e quiser vender produtos dessas aldeias, tenho direito a zero.

Apesar do potencial de negócio ser maior.
Exatamente. Trabalho com empresas do país inteiro, do norte ao sul do país, inclusive nas ilhas. Temos mais de 300 fornecedores ativos n’A Vida Portuguesa. Estamos a falar de muita gente e de muitas empresas.

Nesse caso, como é que olha para o discurso político em torno da importância das PME e do empreendedorismo?

Se há dinheiro para apoiar projetos, e este é um projeto grande, eu nunca beneficiei, até hoje, de qualquer espécie de apoio. Aliás, no início, fazia mesmo questão em não ter qualquer espécie de apoio.

Porquê? 

Porque acho que havia uma lógica, neste país, que é: Eu tenho uma ideia, quem é que a vai pagar? Não quis seguir essa lógica porque se uma ideia é válida, ela deve pagar-se a si própria. Mas agora, já estamos a dar um passo muito grande. Raras vezes pedi dinheiro emprestado ao banco, comecei com mil euros e tudo o que fui ganhando reinvesti. Nunca tirei dinheiro da Passos em Volta, a empresa que detém a Vida Portuguesa, a não ser aquele que meti no início.

Qual foi o investimento na loja do Intendente?
Cerca de 130 mil euros.

Beneficiou de apoios do Estado? 

Zero. Aliás, porque estou a operar na área de Lisboa, que não é abrangida pelos QREN, não tenho esse tipo de apoios. Consigo entender a lógica desse dinheiro, mas, às vezes, as lógicas que entendemos na teoria, nem sempre se aplicam na prática. Ou seja, é muito mais fácil se quiser desenvolver um projeto numa aldeia onde vivem dez pessoas. Tenho acesso a imenso dinheiro. Mas, se estiver em Lisboa, onde estão os clientes, e quiser vender produtos dessas aldeias, tenho direito a zero.

Apesar do potencial de negócio ser maior.
Exatamente. Trabalho com empresas do país inteiro, do norte ao sul do país, inclusive nas ilhas. Temos mais de 300 fornecedores ativos n’A Vida Portuguesa. Estamos a falar de muita gente e de muitas empresas.

Nesse caso, como é que olha para o discurso político em torno da importância das PME e do empreendedorismo?

Se há dinheiro para apoiar projetos, e este é um projeto grande, eu nunca beneficiei, até hoje, de qualquer espécie de apoio. Aliás, no início, fazia mesmo questão em não ter qualquer espécie de apoio.

Porquê?
Porque acho que havia uma lógica, neste país, que é: Eu tenho uma ideia, quem é que a vai pagar? Não quis seguir essa lógica porque se uma ideia é válida, ela deve pagar-se a si própria. Mas agora, já estamos a dar um passo muito grande. Raras vezes pedi dinheiro emprestado ao banco, comecei com mil euros e tudo o que fui ganhando reinvesti. Nunca tirei dinheiro da Passos em Volta, a empresa que detém A Vida Portuguesa, a não ser aquele que meti no início.

E não tem dívidas à banca? 

Agora tenho, recorri a um empréstimo pequeno, para PME, para ajudar nesta loja. Tenho tentado endividar-me o menos possível. Prefiro crescer devagar, mas de forma segura.

Essa não é a lógica seguida pela maior parte das PME portuguesas? 

Sim. Tenho alguma vantagem, é que comecei completamente inocente. Inocente e ingénua. Se calhar, até não estava preparada. A minha lógica sempre foi: este é o meu problema, como é que vou resolvê-lo, e tentar pensar as coisas com bom senso, alguma criatividade e cuidado também. Nunca fui pelas receitas habituais, porque não as conhecia. Às tantas fui fazer um curso geral de gestão na Nova Fórum, porque queria perceber se o que estava a fazer era certo, ou errado. Descobri que não me tinha enganado muito.

No seu caso, o discurso político não teve quaisquer consequências práticas?
A nível fiscal, por exemplo, tem notado alguma mudança? 
Aquilo que reparo é que, apesar de faturarmos muito, ao fim do ano fica pouquíssimo. Se quisermos tratar as pessoas que trabalham connosco de forma justa, se quisermos ser absolutamente corretos, se cumprirmos todas as nossas obrigações, o mínimo que se pode fazer - não se pode exigir nada ao Estado sem cumprir escrupulosamente tudo o que há para cumprir -, de facto, não fica grande coisa. É um facto.

O pouco que fica tem aumentado ou diminuído? 

Agora, também não acho que deva ganhar milhões.

Qual foi a faturação d’A Vida Portuguesa e os resultados líquidos? 

Tenho várias empresas, mas entre A Vida Portuguesa, em Lisboa e Porto, faturámos acima de um milhão e trezentos mil euros. O preço médio de um produto n’A Vida Portuguesa é de 4,5 euros, um valor bastante baixo. Vendemos coisas pequeninas, portanto, é preciso vender muito para chegar a esse número.

E lucros? 

Os lucros, geralmente, não chegam aos 50 mil euros.

O IRC vai baixar dois pontos percentuais para todas as empresas. No seu caso, de que forma esta redução será aproveitada?

Se reduzirem os impostos, obviamente, não é mau. O que acontece é que os lucros nunca são muitos. Mas acho que há mais problemas nas PME do que isso.

Quais? 

Há um problema de concorrência, que acho que é dramático. A grande distribuição está a açambarcar posições e deveria ser muito mais investigada e sancionada pela Autoridade da Concorrência. Muitos dos meus fornecedores são fornecedores também da grande distribuição e sei pelo que estão a passar.

Está a falar da política de preços? 

Estamos a falar de muita coisa mas, basicamente, temos, neste momento, uma grande distribuição alimentar dominada em 70% por duas únicas empresas. Têm um poder de vida e de morte sobre os seus fornecedores. Eu entro num Pingo Doce e olho para a prateleira dos fiambres e, onde estavam antes não sei quantas marcas, neste momento tenho oito embalagens de marca própria e depois tenho duas embalagens de Nobre, com os preços super inflacionados porque, basicamente, só lá estão para fazer vender a marca própria.

Também sente essa concorrência nos produtos que vende? 

Eu, felizmente, trabalho com um universo de fornecedores muitíssimo diversificado. Mas há muitas empresas que vendem para a grande distribuição e, em muitas delas, hoje em dia, há uma enorme vontade de tentar depender o menos possível da grande distribuição, porque há um enorme medo. Em alguns casos, isso tem sido conseguido com a exportação. Há muitas empresas, em Portugal, que se estão a dedicar tão furiosamente à exportação, também porque estão demasiado dependentes da grande distribuição. Temos uma grande distribuição que não hesita em riscar uma empresa e importar. Há um fenómeno muito interessante n’A Vida Portuguesa. Não é só o que vendemos, que são, de facto, grandes quantidades, mas também aquilo que fazemos que outros vendam também. Há muitas lojas em Portugal que se inspiraram no nosso modelo, e depois há muitos estrangeiros que estão no comércio lá fora, que vão às nossas lojas, gostam desse produtos e encomendam-nos. O último caso mais espetacular foi o do diretor artístico da Christian Lacroix, que descobriu a nossa loja no Porto e de lá saiu com vários sacos de compras, levando o creme de mãos Alantoíne. Hoje em dia, o Alantoíne está à venda na concept store da Christian Lacroix, em Paris. E, segundo me confessou, há uns dias, há gente que volta à sua loja, exatamente, para comprar aquele creme de mãos.

Já disse que, no seu caso, por inocência ou não, nunca recorreu ao crédito. 

Tento, aliás, também na minha vida pessoal, viver com o que tenho e só, em casos indispensáveis, é que recorro ao crédito.

Uma das soluções apontadas para as empresas se financiarem é a dispersão do capital em Bolsa. No seu caso, essa é uma hipótese viável? 

Cada um sabe do seu caso. Eu, no meu caso, jamais recorreria a isso.

Porquê?
Porque eu gosto de controlar [gargalhadas].

Não é vergonha nenhuma, escusa de corar. 

Gosto de controlar muito bem as coisas e, talvez por isso, também nunca tenha recorrido ao franchising, e os pedidos foram imensíssimos, tanto para Portugal como para o estrangeiro. Talvez um dia lá chegue. Mas, como até aqui, também eu estava a aprender, pareceu-me muito perigoso começar a dispersar o meu negócio por pessoas que mal conhecia. Prefiro ter poucas lojas, mas saber exatamente como elas são, fazê-las como acho que devem ser, vendendo exatamente aquilo que quero, controlar muito bem as coisas. Não tendo vindo da área da gestão, a minha defesa foi sempre saber exatamente o que estou a fazer.

E ir para fora é uma ideia que lhe passa pela cabeça? 

Vendemos para algumas lojas lá fora e já fomos contactados várias vezes para isso. Acho que haveria possibilidades de fazer isso lá fora, mas isso pressupõe também dinheiro, é certo, e também prescindir de tempo na minha vida pessoal, que já não é muito, que é o que acontece aos control freaks.

As pessoas têm também, muitas vezes, uma relação emocional e cultural com os produtos que vende, portanto, o sucesso lá fora não seria tão fácil como cá. 

Isso foi exatamente o que pensei no início. A primeira vez que fui à feira Maison et Object [em Paris], com o stand da Confiança, pensava que os estrangeiros não reagiriam grande coisa, que não se impressionariam com a coisa, e foi exatamente o contrário. Levava caixas de sabonetes com os rótulos originais dos anos 40 e 50 e, de facto, vendi, por exemplo para lojas como a Designers Guild, em Londres, ou como a Gorrant Shop. Foi aí que percebi que os estrangeiros reagem a isto. E esse é um facto que constato todos os dias com os turistas. Nós não exportamos no sentido em que não vendemos além fronteiras, mas nós vendemos para estrangeiros dentro do país. Os portugueses estão a comprar muitíssimo menos. Fazemos um cálculo se é dinheiro estrangeiro ou dinheiro português e, neste momento, estamos quase em 50% de capital estrangeiro.

Os empresários portugueses estão demasiado dependentes do Estado, esperam pela ajuda do Estado para desenvolverem os seus projetos? 
Acho que é um bocadinho assim. Em alguns casos isso fará sentido. O Estado somos todos nós e é normal que o Estado exista para facilitar, para impulsionar e até para definir estratégias em alguns sectores.

O facto de ter investido na loja do Intendente num contexto económico difícil é a prova de que o seu negócio conseguiu resistir à crise. Já sente a recuperação da economia de que o Governo tanto fala? 

Temos continuado a crescer, mesmo ao longo destes anos de crise. É uma coisa absolutamente extraordinária.

A que ritmo?
Estamos a falar de menos de 10% ao ano, mas sim, temos crescido um bocadinho. Isso tem muito a ver com o crescimento no turismo, não tem a ver com o portugueses.

Sentiu uma redução no consumo? 

Claro, absolutamente! Antes, havia quem comprasse sem pensar, depois as pessoas começaram a pensar duas vezes, e acho que, neste momento, pensam sete vezes antes de comprar. No domingo passado, por exemplo, a loja no Intendente estava cheia, mas as pessoas compraram pouquíssimo.
Há uma coisa muito importante que aconteceu com esta crise, e não foi só uma mensagem do governo: as pessoas começaram a ter consciência do que é o consumo e de como o consumo afeta a economia em geral, como aquilo que compram todos os dias se reflete nos resultados e na realidade económica do país. Isso também nos tem beneficiado, porque as pessoas perceberam que se comprarem produtos nacionais, em vez de estrangeiros, o dinheiro fica cá, é reinvestido, paga salários, e por aí fora.

Mas isso só acontece quando o preço é um factor que não pesa? 

Obviamente que há o fator preço e há pessoas que não têm hipótese de fazer essa escolha. Mas as que têm, é muito importante que o façam, neste momento. Costumo dizer que, quando vamos votar, elegemos um governo, mas também há uma espécie de voto, todos os dias, quando vamos às compras. Estamos a votar em empresas, na forma como elas funcionam, se queremos dar o nosso dinheiro a uma empresa que paga salários em Portugal, com as regras de trabalho que nós temos, ou se queremos dar o nosso dinheiro, o nosso voto, a uma empresa que está a cilindrar toda a gente e que está no mercado com uma única preocupação, o preço.

Está a pensar em alguma? 

Estou a pensar na grande distribuição. Sabe quantas histórias já ouvi, cada uma mais terrível do que a outra, de empresas que só não acabaram porque têm pessoas extremamente valentes à sua frente?!

Por pressão da grande distribuição? 
A empresas da grande distribuição querem fazer uma marca própria e contactam um fornecedor, que sabe perfeitamente que no dia em que fizer a marca própria do tal supermercado, os seus produtos vão descer para a prateleira do fundo para se vender a marca própria. Ele sabe que está a contribuir para a sua desgraça, mas não tem outra hipótese. Três meses depois, a dita empresa vai ter com ele e diz-lhe: primeiro, já não estamos interessados nos seus produtos, acabou, e depois, está a ver aquela marca branca que desenvolveu para nós, agora vamos passar a produção para a Ásia, adeus e até um dia.

Confronta-se com casos destes no seu dia a dia? 
Completamente. Trabalho com muitas empresas, algumas delas familiares, que vão na segunda, terceira ou quarta geração, e que têm toda uma história atrás de si, já atravessaram muitas crises. Chamo-lhes empresas valentes, por resistirem a várias dezenas de anos de convulsões políticas, económicas. Não é fácil. Elas devem concentrar-se em fazer produtos, que depois devem valorizar, que devem saber comunicar e inovar, e ir para um outro tipo de distribuição, que não a grande distribuição.

Sente a recuperação da economia nas atitudes dos seus clientes e fornecedores?

Diria que, no verão, as pessoas começaram a ficar ligeiramente mais optimistas. Mas acho que agora estão outra vez mais receosas.

Por causa do Orçamento de Estado? Sentiram novamente o peso da austeridade?
Obviamente.

Quais são os produtos mais vendidos n’A Vida Portuguesa? 

O produto mais vendido, em unidades, são as pastilhas Gorila, porque custam 10 cêntimos e estão ao pé da caixa. A seguir são as sombrinhas de chocolate da Regina. Mas, depois, a área que mais vendemos é a perfumaria. Trabalhamos com várias marcas, como a Ach. Brito, que é um farol para muitas destas empresas de que falamos, percebeu muito cedo o potencial enorme do seu arquivo histórico, e tem explorado isso muitíssimo bem, está a vender para várias dezenas de países em todo o mundo. Vendemos também a Confiança, a Couto, ou a Nally. Depois, há a área alimentar, como os chocolates, da Regina, ou a Arcadia. Temos a história das andorinhas, um produto que está ligado ao nosso início, pois foi uma proposta que foi feita ainda aos anteriores donos, da Bordalo Pinheiro. Era uma peça completamente esquecida, que a Bordalo praticamente não fazia, e eu propus relançar as andorinhas. Temos promovido essa andorinha e, de facto, a Bordalo fazia dez andorinhas por ano, hoje em dia, vendemos 10 mil.

Disse, numa entrevista, que o seu intuito não é fazer dinheiro. Então, qual é o seu objetivo?

O meu intuito é fazer dinheiro sim, mas não fazer dinheiro pelo dinheiro. É fazer dinheiro para que o negócio continue a crescer e as fábricas prosperem, para que as pessoas tenham emprego, para que se exporte mais e por aí fora.

Paga bons salários? 

Pelo que sei, pago acima do habitual. Atenção, porque no comércio e na restauração, em geral, não se pagam grandes salários. Mas, toda a gente está a contrato, obviamente. No caso d’A Vida Portuguesa em Lisboa, quando há margem para isso, é feita a distribuição de lucros com as pessoas que lá trabalham. As pessoas que estão n’A Vida Portuguesa não estão apenas atrás de um balcão, têm consciência de que esse balcão é uma frente avançada de toda a produção portuguesa que está atrás. Muitas vezes conhecem também os nossos fornecedores, portanto, sabem que, quando estão a vender, estão a representar muita gente, centenas ou até milhares de pessoas, que estão por trás a trabalhar, e que é graças a elas que mantém os seus empregos.

A Catarina é irmã do vice-primeiro-ministro Paulo Portas, que está num campo ideológico oposto ao seu.
Pois sou, com muito orgulho!

Já teve oportunidade de falar com Paulo Portas sobre estas queixas que faz sobre a grande distribuição e a investigação que, diz, deveria ser feita? 

Já, falámos muitas vezes sobre tudo isto. E muitas vezes estamos de acordo. É uma grande preocupação minha e acho que é uma também uma preocupação dele. Por exemplo, a história do Pingo Doce com o 1.o de Maio, tornou óbvio para as pessoas uma série de coisas, nomeadamente o dumping, que as cadeias não se coíbem de praticar e que são contra a lei. Isso tem dado origem a várias coisas, nomeadamente à PARCA [Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar], que pretende criar regras mais justas.

Conversa com ele sobre o Governo, o país, sobre as opções ideológicas do governo? 

São conversas pessoais, de irmãos, de pessoas que gostam uma da outra, e de pessoas que se preocupam.

Dá-lhe algum conselho? Irrita-se com as opiniões dele? 

Não, temos um grande sentido de humor e um imensíssimo respeito pelas nossas diferenças. Sempre tivemos, na nossa família, sempre fomos todos diferentes e sempre nos demos muito bem. Acho que isso é a coisa preciosa, para mim não há nada mais natural do que essas diferenças.

Algum conselho? 

Acho que ele não precisa de conselhos, é uma pessoas com muito bom senso.

A Vida Portuguesa e os quiosques são a face mais visível da sua atividade empresarial, mas faz muitas coisas ao mesmo tempo. Foi notada no estrangeiro pela revista Monocle, que a escolheu como uma das vinte pessoas, a nível mundial, que deveria ter um palco maior. O que faria se tivesse direito a esse palco maior? 

Olhe, por acaso, tenho de decidir hoje se vamos ou não à Feira de Natal da Monocle. Fomos convidados, tal como no ano passado, e foi curioso, pois eles convidaram 20 marcas e nós éramos a única que não tem loja em Londres. Já tive em conversas para abrir uma loja em Londres, mas vamos fazendo as coisas com calma.

Ainda não tem nenhum projeto nesse sentido? 

Concreto, neste momento, não. Há conversas.

E se estas conversas resultarem em alguma coisa, podemos esperar alguma coisa nos próximos meses? 

Não sei, o que temos de pensar é até onde é que queremos crescer, e se é isso que queremos. Eu, às vezes tenho um bocadinho de mixed feelings em relação a isso. Se há coisa que hoje em dia me enerva de uma forma louca, é este retalho obsessivo, ou seja, é encontrar as mesmas marcas em todo o lado onde vou, tanto em Portugal como no estrangeiro. As cidades começam a ficar todas iguais, hoje em dia as grandes ruas comerciais das cidades são iguais a corredores de aeroportos, é tudo igual. Temos uma loja da Mark Jacobs ao pé da nossa loja do Chiado, temos uma Mark Jacobs ao pé da loja do Porto. É um criador cujo trabalho aprecio, mas lembro-me que, há dois anos, fui a Nova Iorque e saí à rua, tinha cinco lojas Mark Jacobs à minha frente e pensei “para que é que atravessei um oceano?” Para encontrar exatamente as mesmas coisas? No ano passado, estive em Bangkok, uma cidade onde tinha ido há dez anos, onde estive uns meses, e que tinha centros comerciais fantásticos, com lojas tailandesas, cada uma mais criativa que a outra, com coisas muito bonitas, agora, a única coisa que encontrei foi Hermés, Zara, Burberry, as mesmas marcas do costume, as mesmas coisas. Estou farta! Não quero que a minha cidade seja assim, não pode ser só isto. Atenção, que ao pé disto sou um formiga, não mes estou a querer comparar, nada disso, mas quando penso em crescer, às vezes, penso em fenómenos destes.

O fenómeno pode ser visto ao contrário. Em Londres tem todas essas marcas todas, mas não A Vida Portuguesa. Não seria bom A Vida Portuguesa destoar, no bom sentido?
Tenho muito medo das coisas que crescem muito, assim como tenho medo das empresas de distribuição que tendem sempre a querer crescer mais para terem mais lucro, e que, pelo caminho, vão espezinhando mais fornecedores. Também tenho muitas dúvidas sobre lojas ou marcas que cada vez crescem mais e que, depois, nos seus sistemas de produção têm que recorrer a países de terceiro mundo, com salários miseráveis. Estive no Laos, o ano passado, é um país comunista, que está, neste momento, a entrar na Organização Mundial do Comércio, e vai ser o próximo Vietnam, vai ser o próximo Bangladesh. Olho para a vida daquelas pessoas que, por enquanto, ainda não estão escravizadas com uma máquina de costura durante dez ou doze horas por dia, com uns salários miseráveis, mas que, enfim, vão poder comprar umas televisões e ver o Big Brother, e penso é este o modelo de sociedade, é este modelo de civilização que nós temos para propor aos outros? Isto vale a pena? Acho que temos sempre que questionar tudo e pensar sobre tudo.

Em 2014, A Vida Portuguesa chegará a Londres?
Em 2014, provavelmente, não teremos A Vida Portuguesa em Londres. Gostaria de estender este modelo de Lisboa para o Porto, por exemplo. E também é provável que o negócio dos quiosques, que é um negócio muito importante para mim e que me dá uma enorme satisfação, venha a crescer. Já cresceu este ano. Desta vez, comprámos mesmo um quiosque, dos poucos quiosques privados que existiam em Lisboa. É o nosso mais novo na família, vai fazer 100 anos no próximo ano. O quiosque do Largo de São Paulo, que estava há três gerações na mesma família, quisemos comprá-lo, mas a pessoa que o tinha também o quis vender a nós, e isso deixa-me muito orgulhosa. Esse negócio sim, também, vai crescer.

Define-se como uma empresária com atitude de jornalista. O que é que isto significa? 

A força que eu tenho neste negócio, em relação, por exemplo, a todas as inspirações e, em alguns casos, situações de plágio, aquilo que nos diferencia dos outros, é a pesquisa. Nunca paro de pesquisar, nunca paro de ir às fábricas, nunca paro de fazer perguntas, nunca paro de querer conhecer arquivos, de colecionar as embalagens antigas, de saber mais, de procurar mais. Essa, acho, é a nossa força em relação aos outros. E isso é uma coisa que vem, obviamente, do jornalismo.

Entrevista de Sílvia de Oliveira (Dinheiro Vivo) e Hugo Neutel (TSF).
Fotografia Gerardo Santos (Global Images).
Em formato audio aqui e vídeo aqui.

Dinheiro Vivo, Diário de Notícias
30 de Novembro de 2013


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