segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ainda se vendem azulejos assim (também n' A Vida Portuguesa)

"Já não se fazem paredes assim. Na loja Cortiço & Netos há centenas de padrões que já não se fabricam e uma grande vontade de investigar a sua história.

Quando em 1979 Joaquim José Cortiço começou o negócio da compra e venda de linhas descontinuadas de azulejos industriais portugueses, provavelmente não imaginava estar a reunir um precioso acervo para memória e património futuros. Grande parte dos conjuntos sobreviveram ao encerramento das unidades que os fabricaram - como a mítica Fábrica de Loiça de Sacavém - e estão agora nas mãos dos netos de Joaquim José Cortiço, que se encarregaram de dar continuidade ao negócio do avô (que morreu em 2013). A loja Cortiço & Netos trouxe o espólio de Benfica para a Mouraria e juntou à actividade comercial a sua conservação, divulgação e investigação. Daí que os netos tenham decidido, em paralelo, criar a Associação para a Interpretação do Azulejo Industrial (AIAI).

"Não há muita informação sobre o azulejo industrial. O Museu do Azulejo conhece a nossa colecção e diz que tem bastante interesse", explica João Cortiço, um dos netos e um dos quatro irmãos que gerem o estabelecimento e todo este acervo. A pouca informação existente sobre esse tipo de azulejaria faz com que a quantificação, classificação e atribuição de um valor artístico seja difícil de estabelecer. "Contámos num primeiro inventário informal 900 padrões diferentes. Mas provavelmente serão mais". Na loja estarão representados cerca de 100, de uma colecção que abrange azulejos produzidos entre os anos 1950 até à altura em que a maioria das fábricas fechou, nos anos 1990. "Gostava muito que se fizesse essa investigação: como é que se pode passar dessa produção para uma quase não existência, em menos de 15 anos?", desabafa. As paredes da Cortiço & Netos vão lembrando esses tempos de glória da produção de cerâmica exibindo também quadros com recortes dos nomes de antigas fábricas. Além disso, a família esforça-se por manter as colecções, adquirindo peças em falta e reservando, pelo menos, 22 exemplares do mesmo desenho, um para amostra e os outros para o padrão. Está ainda para breve a criação de uma base de dados, com o registo fotográfico dos azulejos e sua organização por categoria, data e fábrica de origem. 

São, de resto, estas as bases de tudo e as de 15x15, tipicamente portuguesas, as de 20x20 e as de 11x11 as jóias da coroa, segundo João Cortiço. As decorações de cada azulejo também variam, indo desde as reproduções dos desenhos mais tradicionais, azuis e brancos, aos padrões gráficos e geométricos, coloridos ou monocromáticos. A sua autoria é desconhecida, mas os irmãos Cortiço, que têm quase todos formação na área do design e da ilustração, suspeitam que tenham sido os próprios arquitectos a desenhá-los.
 
Reinterpretação
Apesar do interesse histórico, a Cortiço & Netos não quer ser um depósito patrimonial. A ideia é revitalizar o uso destes azulejos. E isso começa logo com os pedaços que muitas vezes se partem no transporte entre o armazém, situado em Alenquer, e a loja, em pleno centro lisboeta. "Usamos uma máquina de corte para dividir em quatro e retirar os quadradinhos pequenos que saem inteiros". João Cortiço refere que, por vezes, é possível isolar um detalhe do azulejo nesse processo e que os turistas - os que actualmente mais visitam o espaço - chegam a levar 10 destes, de cada vez. À procura de pormenores que enriqueçam os seus projectos com um toque de autenticidade vão também muitos arquitectos e decoradores de interiores. Já a maioria dos clientes particulares nacionais continua a procurar os azulejos para pequenas reparações e substituições: alguns deles fregueses antigos, ainda do avô Joaquim José Cortiço.

Jóias da Coroa  
Tabuleiros de madeira forrados a azulejos, combos de quatro quadrados diferentes, bases para copos e para quentes e, mais recentemente, mesas com tampo em azulejo são alguns dos produtos que a loja vende, além das unidades avulso."

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