Criou a revista “Wallpaper”, em 1996, considerada a bíblia do design e arquitetura. Voltou a reinventar-se em 2007 com uma marca de media inovadora, a “Monocle”, que passou a ditar tendências globais. Estatuto, qualidade de vida, reinvenção do luxo e das regras do mercado fazem dela uma revista e uma cultura globalmente cobiçada. Tyler Brûlé é a “Monocle”. E todos querem ver o mundo pelo seu monóculo.
“O que é a qualidade de vida nos moldes contemporâneos? O que faz com que uma cidade, uma rua, um museu, um escritório, ou mesmo uma revista sejam considerados dos melhores do mundo? Tyler Brûlé, diretor da revista “Monocle”, escolheu Lisboa para juntar uma série de agentes internacionais com ideias sobre o que uma cidade do futuro deve ser. Designers, arquitetos, empresários, comunicadores, diretores criativos de vários países vieram ajudar a definir o mundo que a “Monocle” imagina e aplaude. Um encontro de elite na primeira conferência “Qualidade de Vida” que a marca organizou no sábado passado, em Lisboa, no Hotel Ritz, para uma audiência internacional de 165 pessoas que pagaram a entrada a peso de ouro. A “Monocle”, uma revista de tendências que publica dez edições anuais, tem vindo a agigantar-se nos oito anos da sua existência. Não é só uma publicação com um design sofisticado e matérias que dão conta do que melhor se passa em Minneapolis, Tóquio, Lisboa ou Sydney - é também uma forte marca de media, com roupas e acessórios, lojas, cafés, livros e até uma rádio, a Monocle 24. No universo das cidades de todo o mundo, quer ser um barómetro e um aferidor do que é cool, inspirador, genuíno… Para isso faz anualmente o ranking “Monocle” das 25 melhores cidades do planeta. E ninguém quer ficar de fora. Lisboa não ficou, no ano passado alcançou o 22º lugar. (…)
Nos últimos anos, a “Monocle” tem dado grande destaque a Portugal, particularmente a Lisboa. A tal ponto que escolheram fazer esta vossa primeira conferência “Quality of Life” na nossa capital. Porquê?
Observamos um grande número de coisas em Lisboa que corresponde à “Monocle”. Por um lado, é uma cidade que oferece oportunidades. As rendas são baixas, o que permite a uma pessoa aventurar-se num negócio que não seria possível, por exemplo, em Paris, Londres ou Munique, economias muito mais desenvolvidas. Este é um ponto a favor de Lisboa. Por outro lado, é uma cidade imperfeita, que bom! Não é como Genebra ou Zurique, onde tudo é perfeitinho.
Quer dizer que ainda há muito que pode ser feito para melhorar?
Sim. E o mais importante é que não se deve renovar ao ponto de tudo ficar parecido com a Disneylândia. É preciso que continue a crescer erva entre a calçada portuguesa. Isso é importante porque revela personalidade, de outra forma é como se a cidade tivesse excesso de botox. Se as cidades sofrerem demasiada cirurgia plástica começam a ficar com uma personalidade diferente, perde-se a autenticidade. A razão pela qual Lisboa é assim é porque não há toneladas de dinheiro, nem tudo pode ser renovado, não se podem contratar os melhores arquitetos, o que é bom! Jantei há duas noites no Gambrinus, que é um restaurante brilhante… simplesmente porque não muda. (…)
Quer com isso dizer que parte do nosso encanto e salvação é não termos tido muito dinheiro para investir na cidade? É por isso que ainda se encontram muitas coisas originais?
Sim, e não só. Lisboa e Portugal têm um ponto de partida de grande qualidade. É um local incrível, com um império no passado, uma história extraordinária, uma arquitetura admirável de muitos períodos diferentes. Há exemplos tão bons dos anos 60 e 70 como do final do século XVIII. A cidade está cheia de textura, não se limita à arquitetura do final do século XIX, há também um formidável sentido de modernismo. (…)
“Catarina Portas tem tido presença frequente na “Monocle”. Nesta conferência foi uma das duas únicas personalidades portuguesas convidadas a falar entre muitas figuras internacionais. (A outra foi Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto) Porquê sempre essa escolha? Catarina é Portugal para vocês?
Para nós, ela é uma representação positiva do que está a acontecer em Portugal. Alguém que é capaz de ser curador, pesquisar, filtrar e juntar os artesão e produtores que valem a pena. Para um público internacional é fácil de perceber que ela tem capacidade de estimular negócios, de criar um certo nível de orgulho nas coisas que são fabricadas em Portugal. Não é só ela. Seja a Catarina ou o Kamal Mouzawak (ativista alimentar libanês que participou na conferência), há muitas versões de pessoas assim pelo mundo com um exemplo muito bom e positivo.
A “Monocle” está de olhos em Portugal há anos, tem correspondentes e consultores a estudar a nossa realidade. Até agora não encontraram outras personalidades com projectos tão interessantes como o dela?
A Catarina é muito boa… Claro que há outras marcas individuais e companhias portuguesas interessantes. Por exemplo, há uma empresa no norte de Portugal, não no Porto, mas na zona do Porto, com quem poderemos vir a fazer um trabalho. E estamos em contacto e diálogo com muitos outros. (…)
Considera que o projecto de Catarina Portas de revitalizar a produção tradicional tem permitido um certo desenvolvimento de Portugal?
Ela consegue fazer os seus próprios projectos resultar e abrir ao mesmo tempo possibilidades para outras pessoas fazerem o mesmo. Mas ela é apenas uma. Provavelmente, teria de haver mais esforços concertados para que a sua mensagem crescesse. Portugal tem uma incrível base de manufatura. Não percebo porque é que não há uma H&M ou uma Zara portuguesa. É de loucos! Vocês estão a produzir todos os tipos de roupa para muitos países, mas nenhuma marca portuguesa emergiu à escala global como a GAP. Isso seria muito bom para o comércio nacional. Há pessoas que sabem que em Portugal há qualidade na manufatura e nos materiais. Acontece que as empresas ocidentais ainda escondem que as suas roupas são made in Portugal porque querem fingir que são feitas em itália ou na Suíça. (…)
Criticou a campanha do Turismo de Portugal, em 2007, “Portugal, the west coast of Europe”. Afirmou que mar e sol não deveriam ser os cartões de visita do país. Qual deveria ser então o nosso cartão de visita?
O orgulho da manufatura. A história legítima do país, uma história que contribui para que o mundo esteja onde está hoje. Isto é vital para Portugal numa altura em que temos de ter em consideração a distância que as camisolas viajam até que as usemos. É preciso ter consciência de que elas podem vir de uma fábrica no Bangladesh de onde os operários nem saem para dormir. Uma parte do cartão de visita de Portugal é o país pertencer à União Europeia, os operários terem salários, pensões e assistência médica. Tudo isto faz parte da mensagem. Isso é caro? Que seja! É esta a minha visão: obtém-se aquilo que se paga. Se o produto custa mais três euros para que o que defendo seja cumprido, fantástico!"
Tyler Brûlé em entrevista ao jornal Expresso
por Bernardo Mendonça e Cristina Peres
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