Patrono dos soldados aos pedintes, dos alfaiates aos cavaleiros, dos restaurantes aos hotéis, dos cavalos aos gansos, dos produtores de vinho aos alcoólicos reformados, São Martinho haveria de estender o seu afamado manto de milagreiro sobre muitos. Húngaro de origem, Martinho chegou a ser o mais popular dos santos em França durante a Idade Média e deixou o seu nome em muitos lugares do norte ao sul de Portugal (de São Martinho das Amoreiras ao da Cortiça).
O seu espírito de generosidade e humildade ficou perpetuado na lenda segundo a qual partilhou a capa com um mendigo, afastando a chuva para dar lugar ao sol do "Verão de São Martinho". E em 2005 o Conselho da Europa haveria mesmo de o proclamar "modelo europeu de partilha". Ainda hoje o povo não dispensa a oportunidade de o festejar com a exuberância associada à altura do calendário rural, em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a desfrutar das colheitas. E assim, ainda hoje se assam as castanhas e se prova o vinho em sua honra. O nosso magusto está montado, sejam benvindos.
«O S. Martinho, como o dia de Todos os Santos, é também uma ocasião de magustos, o que parece relacioná-lo originariamente com o culto dos mortos (como as celebrações de Todos os Santos e Fiéis Defuntos). Mas ele é hoje sobretudo a festa do vinho, a data em que se inaugura o vinho novo, se atestam as pipas, celebrada em muitas partes com procissões de bêbados de licenciosidade autorizada, parodiando cortejos religiosos em versão báquica, que entram nas adegas, bebem e brincam livremente e são a glorificação das figuras destacadas da bebedice local constituída em burlescas irmandades. Por vezes uma dos homens, outra das mulheres, em alguns casos a celebração fracciona-se em dois dias: o de S. Martinho para os homens e o de Santa Bebiana para as mulheres (Beira Baixa). As pessoas dão aos festeiros, vinho e castanhas. O S. Martinho é também ocasião de matança de porco.»
in "As Festas. Passeio pelo Calendário"
de Ernesto Veiga de Oliveira
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
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