O bairro piscatório de Silvalde situa-se nos limites de Espinho, no norte de Portugal. A organização das ruas é ortogonal, regular, e as casas são normalmente geminadas. Cada uma tem tamanho e estrutura equivalentes às outras, diferenciando-se pelos materiais e iconografia.
Padrões de azulejaria complementares contrastam com caixilharias douradas. Em cima da porta, um santo que protege a casa. Materiais produzidos em massa ganham uma qualidade plástica surpreendente, quando coordenados cuidadosamente. A escassez de recursos incentiva uma criatividade indispensável e prática, a qual se operacionaliza com uma dedicação tal, que se torna poética.
Este registo, inevitavelmente distanciado, celebra o saber-fazer, o autodidata, o espontâneo. Evidencia encontros improváveis entre estéticas rurais e super-urbanas. E, de certa forma, comemora uma arquitectura ingénua, reflexo de uma realidade muito portuguesa, feita com meios escassos, improviso e imaginação.
"No velho bairro, as ruas estreitas e tortuosas, os antigos casebres esbeiçados que pendem em ruínas esfarpadas, as saliências das varandas de pau, empenadas e barrigudas, a fogueira de pinho que está dentro ardendo no lar, as creanças semi-nuas que sahem á rua, a smantas ou as redes de pesca, penduradas das janellas ou estendidas a enxugar em duas varas, teem um cunho muito característico, de um pitoresco oriental". Ramalho Ortigão em "As Praias de portugal", Livraria Universal, Porto 1876.
Isto escrevia Ramalho Ortigão das casas dos pescadores de Espinho, distribuindo estética e encantamento para o olhar do veraneante burguês confrontado com a miséria dos pescadores e o seu "pittoresco oriental".
Não é de hoje este tráfego difícil entre a cultura erudita e a cultura popular. Tivemos que esperar muito tempo para que o "bom gosto" da cultura cultivada encontrasse na realidade das coisas não uma simples arma de arremesso entre o "bom" e o "mau" gosto, mas apenas aquilo que essas coisas são. Gosto e desgosto são, afinal, sentimentos bastante relativos e não o jogo habitual do bom contra o mau-gosto enquanto exercício de distinção e classificação social e sobretudo de afirmação de quem pensa, como nas velhas academias, que a sua (suposta) superioridade cultural se pode simplesmente aquilatar pelo juízo que faz dos outros.
Casas são pequenos mundos, dispositivos que por fora dizem do que somos por dentro e do modo como podemos usar isso para comunicarmos uns com os outros: ser igual e diferente aos outros, eis a questão. O ornamento não é mais do que uma linguagem à procura de interlocutores.
Álvaro Domingues
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