"Aprendiz de chapeleira, trabalhou em rádio, jornais, revistas, livros, documentários e agora tem a sua vida inteiramente devotada à Vida Portuguesa. Espero que nos Açores esteja a conseguir fazer aquilo que mais falta lhe faz: descansar. É a Catarina Portas, está de saltos altos hoje à noite.
Olá Catarina, os Açores estão a conseguir trazer-lhe esse bálsamo?
Olá, muito boa noite. Bom, eu vim trabalhar (risos). Mas trabalhar desta forma é uma coisa muito prazerosa, de facto. É muito, muito bom, primeiro porque adoro esta ilha, gosto muito dos Açores e estou a fazer aquilo de que mais gosto nesta vida, portanto, é um prazer (risos).
A Catarina tem estado durante toda esta semana naquela zona de chá da Gorreana, a trabalhar com o Serrote e há um projecto de uma nova embalagem mas com certeza outros a que a Catarina quer dar corpo.
Eu vim porque há dois Nunos que estão aqui a trabalhar - o Nuno Coelho e o Nuno Neves, da Serrote - com quem eu trabalho já há muitos anos e de quem sou amiga. Eles vinham e às tantas era uma boa altura para vir também. Eu tinha também muita vontade de vir, já tinha estado na Gorreana, há três anos atrás. Eu tenho também um negócio de quiosques e acessória a esse negócio de quiosques uma linha de xaropes para fazer refresco e nós lançámos há dois anos um frasco de xarope de chá verde Gorreana. E nessa altura estive cá mas vim a correr e agora finalmente vim com tempo, acrescentei um outro cúmplice a esta aventura, o Sebastian Filgueiras, que tem uma loja de chá em Lisboa, é um argentino que vive há muitos anos em Lisboa e portanto viemos todos e passámos a semana quase toda na Gorreana, onde preparámos dois lotes especiais, de chá Oolong e de chá Puchong, que já não se fazia há mais de dez anos na Gorreana, segundo nos informaram, e sabe-se lá o que virá depois mas foi muito interessante - eu adoro fábricas (risos)!
Está subjacente toda esta paixão que a Catarina descobriu e que agora é tão marcante na sua vida, a recuperação de produtos e de marcas antigas. Tudo começou por aí, por um trabalho, por uma tese e a necessidade de se auto-financiar.
Foi, eu na altura queria fazer documentários, andava a tentar angariar apoio financeiro para fazer documentários, sempre à espera dos concursos, aquelas coisas e portanto estava um bocadinho solta na vida, comecei às tantas a pensar também num livro que tinha a ver com a vida quotidiana em Portugal no século XX e de repente comecei a pesquisar e comecei a perceber que não só nós tínhamos ainda muitos produtos com as embalagens antigas mas também que esse produtos estavam a desaparecer muito rapidamente. Por várias razões, uma delas também tem a ver com o auge da grande distribuição em Portugal, são marcas algumas delas mais pequenas que não entraram na grande distribuição. O comércio local, como nós sabemos, também teve uma tendência grande, que ainda não estancou mas está a melhorar, tinha vindo a diminuir e muitos destes produtos também estavam a ter pouco mercado. E a minha ideia foi apresentar estes produtos, bom, primeiro experimentá-los, seleccioná-los e depois apresentá-los a uma nova geração. Porquê? Porque havia, de facto, e há produtos muito bons e muitas vezes desconhecidos. Eu acho que nós, portugueses, hoje em dia as coisas mudaram um bocadinho, mas nós também estávamos, também é normal, nós tivemos durante muitos anos um mercado bastante fechado ao exterior e, de repente, a partir dos anos 80 começaram a chegar muitas marcas estrangeiras, houve um deslumbre com isso, o que é absolutamente natural, mas esquecemo-nos um bocadinho das nossas próprias marcas. E não é uma questão de saudade, para mim, de todo, primeiro é uma questão de identidade e é uma questão também de racionalidade económica. Porque se nós consumirmos produtos que são feitos em Portugal, nós estamos a pagar salários em Portugal. Eu acho que organizarmo-nos localmente é uma boa forma de enfrentarmos o global. O global, a homogeneização, nós não queremos ser todos iguais. Nós queremos ter acesso a muitas outras coisas mas não queremos ficar todos iguais. E portanto também acho que temos que proteger as nossas coisas e pensar de facto qual é o nosso chão. E há imensas coisas que nós às vezes, eu acho que os portugueses têm bastante auto-estima no que respeita a futebol e a gastronomia mas às vezes não têm muita auto-estima no resto. Mas acho que deviam ter. Nós vivemos num belíssimo país, claro que tem os seus problemas, como todos os países têm, mas é um belíssimo país, onde há gente que trabalha muitíssimo bem. Acho que isso hoje, aliás, é mais reconhecido do que era quando eu comecei, tanto dentro como fora. E portanto, eu comecei a pesquisar sobre os produtos, que também é uma outra forma de contar a história de um povo, a história do seu consumo, as suas manias…
A progressão da imagem…
Também, toda a parte do design gráfico, que é muito interessante. E depois por outro lado há estas empresas pelas quais eu tenho uma grande admiração, estas empresas valentes, algumas aguentaram cem anos, 120 anos, passaram as guerras, passaram tanta coisa, passaram sucessões na liderança das empresas, é incrível esse saber fazer! E outra coisa que eu pensei na altura que era interessante, que o nosso atraso podia ser o nosso avanço. O que é que eu quero dizer com isto? O resto da Europa industrializou-se muito antes e muito mais do que nós, e nós tínhamos esta coisa um bocadinho atrasada, da manufactura. Sabemos fazer muitas coisas à mão em vez de termos máquinas a fazer por nós… Mas na verdade há um mercado hoje em dia muito mais interessante, muito mais curioso e muito mais atento, esse saber fazer, que é uma coisa que a Europa já perdeu e continua a perder.
Porque hoje em dia está tudo massificado…
Exactamente. E que hoje em dia é muitíssimo valorizado. E nós ainda, por causa desse atraso, temos muita gente que sabe fazer coisas com as suas mãos. E eu na altura, quando escolhi os primeiros produtos para A Vida Portuguesa, tinha três critérios: serem produtos que estavam no mercado pelo menos há mais de 30, 40 anos, terem uma embalagem que ainda era a original ou tinha alguma lembrança da original (porque eu queria retirar estes produtos da mercearia para os introduzir, com informação, nas lojas dos museus, nas lojas de design, para procurar esse outro público que eu achava que poderia gostar destes produtos) e que os produtos ainda tivessem alguma doses de manufactura na sua produção. Estes foram os três principais critérios. E pronto, hoje em dia temos quatro lojas e mais de 300 fornecedores. (risos) Foi um longo caminho.
Essa produção artesanal veio encontrá-la aqui na gráfica açoreana neste trabalho que está a ser desenvolvido pelos dois Nunos…
Exactamente. Porque a proposta deles era vir trabalhar com a tipografia micaelense, e fazer um workshop sobre a imagem gráfica da Gorreana ao longo do tempo. E portanto eu pensei que era interessante, já que eles iam pensar no invólucro, já agora pensar no conteúdo também, completá-lo. Não será no contexto do festival, mas o facto de o festival os ter trazido, no fundo o Walk&Talk lançou a ideia. E nós apanhámo-la, encontrámo-nos aqui, foi uma belíssima semana, muito intensa de troca, de conversa, de criação também, de reflexão… belíssimos dias."
Olá Catarina, os Açores estão a conseguir trazer-lhe esse bálsamo?
Olá, muito boa noite. Bom, eu vim trabalhar (risos). Mas trabalhar desta forma é uma coisa muito prazerosa, de facto. É muito, muito bom, primeiro porque adoro esta ilha, gosto muito dos Açores e estou a fazer aquilo de que mais gosto nesta vida, portanto, é um prazer (risos).
A Catarina tem estado durante toda esta semana naquela zona de chá da Gorreana, a trabalhar com o Serrote e há um projecto de uma nova embalagem mas com certeza outros a que a Catarina quer dar corpo.
Eu vim porque há dois Nunos que estão aqui a trabalhar - o Nuno Coelho e o Nuno Neves, da Serrote - com quem eu trabalho já há muitos anos e de quem sou amiga. Eles vinham e às tantas era uma boa altura para vir também. Eu tinha também muita vontade de vir, já tinha estado na Gorreana, há três anos atrás. Eu tenho também um negócio de quiosques e acessória a esse negócio de quiosques uma linha de xaropes para fazer refresco e nós lançámos há dois anos um frasco de xarope de chá verde Gorreana. E nessa altura estive cá mas vim a correr e agora finalmente vim com tempo, acrescentei um outro cúmplice a esta aventura, o Sebastian Filgueiras, que tem uma loja de chá em Lisboa, é um argentino que vive há muitos anos em Lisboa e portanto viemos todos e passámos a semana quase toda na Gorreana, onde preparámos dois lotes especiais, de chá Oolong e de chá Puchong, que já não se fazia há mais de dez anos na Gorreana, segundo nos informaram, e sabe-se lá o que virá depois mas foi muito interessante - eu adoro fábricas (risos)!
Está subjacente toda esta paixão que a Catarina descobriu e que agora é tão marcante na sua vida, a recuperação de produtos e de marcas antigas. Tudo começou por aí, por um trabalho, por uma tese e a necessidade de se auto-financiar.
Foi, eu na altura queria fazer documentários, andava a tentar angariar apoio financeiro para fazer documentários, sempre à espera dos concursos, aquelas coisas e portanto estava um bocadinho solta na vida, comecei às tantas a pensar também num livro que tinha a ver com a vida quotidiana em Portugal no século XX e de repente comecei a pesquisar e comecei a perceber que não só nós tínhamos ainda muitos produtos com as embalagens antigas mas também que esse produtos estavam a desaparecer muito rapidamente. Por várias razões, uma delas também tem a ver com o auge da grande distribuição em Portugal, são marcas algumas delas mais pequenas que não entraram na grande distribuição. O comércio local, como nós sabemos, também teve uma tendência grande, que ainda não estancou mas está a melhorar, tinha vindo a diminuir e muitos destes produtos também estavam a ter pouco mercado. E a minha ideia foi apresentar estes produtos, bom, primeiro experimentá-los, seleccioná-los e depois apresentá-los a uma nova geração. Porquê? Porque havia, de facto, e há produtos muito bons e muitas vezes desconhecidos. Eu acho que nós, portugueses, hoje em dia as coisas mudaram um bocadinho, mas nós também estávamos, também é normal, nós tivemos durante muitos anos um mercado bastante fechado ao exterior e, de repente, a partir dos anos 80 começaram a chegar muitas marcas estrangeiras, houve um deslumbre com isso, o que é absolutamente natural, mas esquecemo-nos um bocadinho das nossas próprias marcas. E não é uma questão de saudade, para mim, de todo, primeiro é uma questão de identidade e é uma questão também de racionalidade económica. Porque se nós consumirmos produtos que são feitos em Portugal, nós estamos a pagar salários em Portugal. Eu acho que organizarmo-nos localmente é uma boa forma de enfrentarmos o global. O global, a homogeneização, nós não queremos ser todos iguais. Nós queremos ter acesso a muitas outras coisas mas não queremos ficar todos iguais. E portanto também acho que temos que proteger as nossas coisas e pensar de facto qual é o nosso chão. E há imensas coisas que nós às vezes, eu acho que os portugueses têm bastante auto-estima no que respeita a futebol e a gastronomia mas às vezes não têm muita auto-estima no resto. Mas acho que deviam ter. Nós vivemos num belíssimo país, claro que tem os seus problemas, como todos os países têm, mas é um belíssimo país, onde há gente que trabalha muitíssimo bem. Acho que isso hoje, aliás, é mais reconhecido do que era quando eu comecei, tanto dentro como fora. E portanto, eu comecei a pesquisar sobre os produtos, que também é uma outra forma de contar a história de um povo, a história do seu consumo, as suas manias…
A progressão da imagem…
Também, toda a parte do design gráfico, que é muito interessante. E depois por outro lado há estas empresas pelas quais eu tenho uma grande admiração, estas empresas valentes, algumas aguentaram cem anos, 120 anos, passaram as guerras, passaram tanta coisa, passaram sucessões na liderança das empresas, é incrível esse saber fazer! E outra coisa que eu pensei na altura que era interessante, que o nosso atraso podia ser o nosso avanço. O que é que eu quero dizer com isto? O resto da Europa industrializou-se muito antes e muito mais do que nós, e nós tínhamos esta coisa um bocadinho atrasada, da manufactura. Sabemos fazer muitas coisas à mão em vez de termos máquinas a fazer por nós… Mas na verdade há um mercado hoje em dia muito mais interessante, muito mais curioso e muito mais atento, esse saber fazer, que é uma coisa que a Europa já perdeu e continua a perder.
Porque hoje em dia está tudo massificado…
Exactamente. E que hoje em dia é muitíssimo valorizado. E nós ainda, por causa desse atraso, temos muita gente que sabe fazer coisas com as suas mãos. E eu na altura, quando escolhi os primeiros produtos para A Vida Portuguesa, tinha três critérios: serem produtos que estavam no mercado pelo menos há mais de 30, 40 anos, terem uma embalagem que ainda era a original ou tinha alguma lembrança da original (porque eu queria retirar estes produtos da mercearia para os introduzir, com informação, nas lojas dos museus, nas lojas de design, para procurar esse outro público que eu achava que poderia gostar destes produtos) e que os produtos ainda tivessem alguma doses de manufactura na sua produção. Estes foram os três principais critérios. E pronto, hoje em dia temos quatro lojas e mais de 300 fornecedores. (risos) Foi um longo caminho.
Essa produção artesanal veio encontrá-la aqui na gráfica açoreana neste trabalho que está a ser desenvolvido pelos dois Nunos…
Exactamente. Porque a proposta deles era vir trabalhar com a tipografia micaelense, e fazer um workshop sobre a imagem gráfica da Gorreana ao longo do tempo. E portanto eu pensei que era interessante, já que eles iam pensar no invólucro, já agora pensar no conteúdo também, completá-lo. Não será no contexto do festival, mas o facto de o festival os ter trazido, no fundo o Walk&Talk lançou a ideia. E nós apanhámo-la, encontrámo-nos aqui, foi uma belíssima semana, muito intensa de troca, de conversa, de criação também, de reflexão… belíssimos dias."
Transcrição da primeira parte da entrevista de Elsa Soares para o programa Saltos Altos da Antena 1 Açores. Julho de 2015.
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