segunda-feira, 28 de março de 2011

"Bordallo Pinheiro, agora designer"

"Há uma maravilhosa cave do Ali Babá nas Caldas da Rainha, cheia de moldes virgens desenhados por Rafael Bordallo Pinheiro, lembra a artista plástica Joana Vasconcelos no fim de uma ceia bordaliana. Numa noite de aniversários - o 125º da fundação das Caldas da Rainha e do próprio Rafael (1846-1905) -, a Bordallo Pinheiro vê confirmada a viragem: algures no final do século XX o seu trabalho vivia na dimensão do quase mau-gosto, escoado das salas portuguesas e associado à categoria etária das avós; hoje é cool, validado por um movimento de artistas e figuras da cultura portuguesa quando a fábrica ameaçava fechar e definitivamente abraçado pela disciplina do século XXI - o design.

Não que precisasse disso. rafael Bordallo Pinheiro tem lugar cativo na História de Portugal, é certo, como precursor da BD, jornalista, artista, ceramistaq, autor do Zé Povinho, desenhador - e há ainda Bordallo designer, que terá direito a exposição, em 2012, no Museu do Design e da Moda (Mude). Mas os 165 trabalhadores que continuam a ter emprego sob o seu nome precisavam dessa viragem. Em 2008/9, quando a fábrica Bordallo ficou sem encomendas, o futuro parecia ser a falência e, depois, a lembrança como um sempiterno prato de couve, uma terrina de lagosta ou uma andorinha na parede. Entra em cena o zeitgeist, o espírito de um tempo em que se luta pelo Museu de Arte Popular, pela sobrevivência de produtos-símbolo portugueses, num vórtice que envolve Catarina Portas ou Joana Vasconcelos, entre outros, em campanha pela sobrevivência da Bordallo Pinheiro (o Jardim Bordallinao no Museu da Cidade de Lisboa é também fruto desse momento).

O resto é história: o grupo Visabeira, que detém as marcas Vista Alegre e Atlantis, compra a Fábrica Bordallo Pinheiro (rebaptizada e refundada em 1908 pelo filho de Rafael), a artista plástica Elsa Rebelo ocupa-se da direcção criativa da fábrica, centenas de andorinhas Bordallo forram as paredes da Ermida Nossa Senhora da Conceição, em Belém, numa instalação da dupla de designers Pedrita para assinalar a chegada da Primavera de 2009, as peças da empresa são expostas, em 2010, no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque e Bordallo prevalece, revalorizado no imaginário português e fazendo essa transição tão cíclica do ultrapassado para o cool.

E por falar em reinvenção, porque é disso que se trata, logo em 2008/9 surgiu a ideia de juntar sete artistas plásticos e designers às Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro. Os sete andaram pela fábrica, enlevados pela tal cave cheia de madres e moldes virgens que encerra "um universo bordaliano por descobrir", como enfatiza Bárbara Coutinho, directora do Mude, um acervo de perto de 800 peças, muitas nunca produzidas. E foi no Mude que na semana passada se cristalizou esse enlace entre design e a cerâmica Bordallo Pinheiro, numa ceia bordaliana em que se estreou o único serviço de mesa desenhado por Rafael, mas nunca fabricado, e onde foram reveladas as sete peças comemorativas. As obras, expostas até 10 de Abril no museu e com edição limitada de 125 exemplares para venda, nasceram das mãos dos designers Fernando brízio, Henrique Cayatte e Catarina Pestana e dos artistas Joana vasconcelos, Elsa Rebelo, Bela Silva e Susanne Themlitz. E das matrizes Bordallo Pinheiro, ponto de partida para cada uma das peças.(...)" Texto de Joana Amaral Cardoso, fotos de Miguel Manso, na Pública de ontem (27 de Março 2011).

Sem comentários: