"Empresa portuense, centenária na arte de trabalhar metais preciosos, a
Topázio, assolada por um incêndio a um mês de comemorar os 140 anos,
viu os trabalhadores arregaçar mangas para pôr tudo a funcionar numa
semana. Prova de vitalidade de uma fábrica que começou com um simples
fio de ouro e que até faz peças para Abramovich.
Onde antes se empilhavam peças de prata, agora jazem pelo chão. Onde cheirava a metal, é o odor a queimado a preencher o ambiente. Onde os artesãos se debruçavam na mesa enquanto moldavam obras de arte, agora olham para o teto enquanto pintam as paredes. Tudo mudou num ápice na fábrica da Topázio quando as chamas irromperam numa das alas do edifício. Um curto-circuito travou pela primeira vez a produção desta empresa do Porto, que há precisamente 140 anos se dedica ao trabalho em metais preciosos, especialmente na prata onde é a maior do País. Mas travou apenas, porque nada parou quando o incêndio deflagrou na madrugada de 30 de agosto. O choque inicial foi forte, mas de pouca dura. Ninguém quis ficar sem emprego e chorar pela desgraça: da administração aos trabalhadores, todos arregaçaram as mangas e das cinzas fizeram renascer a Topázio.
“Ainda não ouvi uma queixa, não vi uma má cara. Aqui todos arregaçaram as mangas para que a empresa não parasse. Que maior prova de vitalidade ao fim de 140 anos?”, questiona a administradora, Rosário Pinto Correia, que desliza despachada por entre a azáfama da reconstrução, sempre com o telemóvel na mão e um auricular no ouvido para o que der e vier: “O negócio não para”, diz ao DN.
A desgraça afetou apenas parte da empresa. O resto continua a funcionar, nomeadamente a moldagem das lâminas de metal. O espírito solidário estendeu-se a todos e as hierarquias diluíram-se. É ver a administradora a limpar casas de banho, a diretora de marketing a comprar pão e a organizar as refeições, os acionistas a pintar paredes, sempre com um sorriso nos lábios. “É um orgulho, é de ir às lágrimas de bom”, diz Rosário com emoção. É essa esperança que vai motivando todos para a Topázio não parar. Nos mais pequenos pormenores se vê o bom ambiente – nem que seja pela própria ementa da cantina, que apresentava um arroz… à Topázio, enfeitado com carne de porco, salsichas e pimentos para dar força para o trabalho de reconstrução.
Este espírito recupera as origens da fábrica fundada em 1874 na Rua do Heroísmo, no Porto, por Manuel José Ferreira Marques. Casado com a filha de um industrial, o fundador decidiu montar a sua própria oficina para pôr ao serviço as suas mãos habilidosas. Reza a lenda que Manuel Marques pediu à sua mulher o fio de ouro que trazia ao pescoço, o derreteu e transformou na primeira peça da empresa que nos anos 1930 passou a chamar-se Topázio.
Passado quase século e meio, o ouro passou à história e é em prata que se faz a liderança mundial da Topázio, exportando para todo o mundo. Uma visita à sala de exposição, na freguesia de Lagoa, em Gondomar, para onde se mudou nos anos 1960, revela uma imensa variedade de produtos em que apenas o prateado é comum às diferentes peças. Lá no canto mais distante da entrada, alinham-se uma série de menorás, candelabros habitualmente com sete braços. Mas não só: talheres, barcos, jarras, passepartouts, bengalas, salvas, bules, peças personalizadas – uma delas para o multimilionário Roman Abramovich -, que atingem preços exorbitantes, sejam banhados a prata ou maciços.
“O cliente pode comprar peças já feitas ou definir aquilo que quer. Se pretende um bule com uma tampa diferente, um bico de outra forma ou uma asa mais requintada, nós fazemos. Os diferentes componentes são produzidos separadamente e depois ligados conforme os desejos do cliente. Quase como se fossem legos”, explica a administradora.
Uma peça original demora “cerca de quatro semanas” a ser feita, esclarece Rosário Pinto Correia. Isto já depois de se ter decidido o que fazer.
“Validam-se as técnicas de produção, fazem-se os moldes, estampa-se e repuxa-se. É tudo soldado e cravado, lixado e polido. Há ainda os banhos e a secagem. Um mês é a média para se completar uma peça da Topázio”, diz.
Com o exemplo da empresa como mote, aqueles que compõem a Topázio vão terminando o levantamento da fábrica após o incêndio. Alimentados pela esperança – e também pelo arroz da cantina -, a produção é para continuar."