sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Jardim Bordallo Pinheiro
É provável que Rafael Bordalo Pinheiro tenha sonhado com este jardim, acariciando a gata Pili no colo, na varanda da sua casa de cortiça entre as árvores, ali mesmo ao lado da fábrica que fundou em 1884, nas Caldas da Rainha, num gesto heróico por uma “indústria artística” nacional. Rafael gostava de bichos e de impossíveis e, nesses anos em que descobriu guloso uma arte nova, transformou a sua imaginação, voadora e extravagante, num imenso e verdadeiro bestiário de cerâmica. Algumas peças foram colocadas em jardins, nas Caldas mas também em Lisboa, no Jardim da Estrela, por exemplo, confirmam-no algumas pistas registadas em fotografia e em textos dispersos, de Raúl Proença ou Fernando Pessoa.
Mais de um século volvido, fomos outros a sonhar o mesmo sonho. Na Fábrica de Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, herdeira do seu espólio e dos seus moldes, Elsa Rebelo começara teimosamente a recuperar os moldes gigantes, quebra-cabeças de tantas partes, fazendo surgir as peças maiores que nunca mais ninguém tinha visto. Vespas, lagostas, caracóis, sardões, até cogumelos, mágicos momentos da arte de Rafael. Joana Vasconcelos empolgou-se com os primeiros espécimes que viu e a sua obra apaixonou-se pelo imaginário de Bordalo, acrescentando-lhe novos significados e emoções. Diante disto, lembrámo-nos dos textos que um dia descobrimos e surgiu a ideia – e se?
E se todos esses bichos e vegetais se reunissem numa bela garden party, num jardim que seria uma festa? Nunca mais parámos. E se os macacos se balouçassem entre as árvores, se os caracóis subissem pelas paredes, se os peixes nadassem nos lagos, se as lagostas trepassem pelas fontes, se os gatos se assanhassem espantando as andorinhas?
Também António Costa, o Presidente da Câmara de Lisboa, ficou a sonhar, quando lhe contámos. Então, Joana Vasconcelos entrou no Jardim de Buxo e reinterpretou o espírito Bordaliano, investigando-lhe as manias decorativas mas procurando-lhe também o fulgor desconcertante. Encenou os bichos que, na Fábrica, a equipa liderada por Elsa Rebelo se esmerou a moldar, montar e pintar ao longo de meses, belos e incríveis.
E assim, porque fomos muitos a sonhar, o jardim de tantos “se”, existe finalmente. É o jardim de Rafael Bordalo Pinheiro. Procurem-no. Estará por aí, sentado num cogumelo, provavelmente a rir-se. Tudo é possível, aqui.
Catarina Portas
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3 comentários:
Muito bom! A cada dia (re)amar, ainda mais, a cultura e alma portuguesa...
lindo. as andorinhas da minha parede estremeceram de alegria :)
É muito bom ver essa Lisboa que ressurge entre o histórico e o contemporâneo, pelas mãos de pessoas que acreditam em sonhos. Parabéns.
Ricardo Amado - VIDAlisBOA
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