quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Jogar em casa




"O que começou por ser um sonho é hoje o descomplexo assumido pelo que fala Portugal e é orgulhosamente português. É essa a essência d' A Vida Portuguesa que agora se encontra também na zona do Intendente, em Lisboa.

O Intendente está a renascer e visitar a zona é um prazer cada vez maior, mais leve, arejado, dinamizado. Ao largo que desafoga a vista, encontramos A Vida Portuguesa, num antigo edifício da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, que vê com bons olhos o início de mais um desafio. Depois do Chiado e do Porto, esta é uma irmã mais nova que assume contornos maiores, capazes de transformar uma fábrica antiga numa casa cheia de espaços. Dois andares e um mundo que se cruza com um denominador comum. O dia-a-dia, os livros, os tachos ou os "comes", as mantas, calendários, alcofas, sabonetes, roupa, calçado, copos, loiça, bolachas, chocolates, livros, artigos de jardinagem, peças de ourivesaria. As antigas sobras de azulejos que forram paredes são o corredor perfeito que cruza o passado e o futuro. Do presente, o melhor que ele tem. Balcões e estantes corridas, prateleiras fartas em 500 metros quadrados de área com um pé direito que vai às alturas. 

O trabalho de pesquisa exaustivo que não se esgota e percorre o país de lés-a-lés. Viagens por fábricas antigas que fazem acreditar numa produção portuguesa especialmente boa. Esta é, aliás, a principal diferença entre a loja do Chiado e a do Intendente. Se na primeira a prioridade recaiu na identificação ou recuperação de marcas antigas, agora a descoberta focou-se em marcas estabelecidas cujas peças se adaptaram ao espírito do que conseguiu transformar-se. Marcas que se inspiram na cultura tradicional para a recriar e reinterpretar. Marcas que, nunca como agora se assumiram em nome próprio. Há cor no ar. Respira-se a Vida. 

A qualidade aqui é cartão de visita. Pelo caminho, móveis recuperados de lojas ou mercearias que não resistiram ao tempo e recebem os objectos que fazem as delícias dos turistas que não resistem à visita. Entre um museu e uma loja, de máuina fotográfica na mão. Esta é a expressão que se lhes consegue adivinhar. Portugueses também, claro. "Lembras-te destas mantas?" ou "A minha avó usava estes lápis". Ventos de mudança que as andorinhas tão bem representam e que continuam a fazer a imaginação de Catarina Portas voar até limites impossíveis de prever. A realidade do seu projecto dá-lhe hoje motivos para sorrir.

A nova loja permite expandir e desbravar terreno em áreas que, até agora, não houve como. O artesanal, mesmo que seja recente e sem voz própria. Ou, ainda, aquelas outras que dão cartas lá fora e que entre nós não têm eco. A portugalidade em várias versões. 

Novas áreas como o têxtil-lar e vestuário, o improvável logo ali ao lado. Banheiras em ferro fundido esmaltado, fogões a lenha de ferro ou salamandras, tudo se vende. "Até o banco de jardim à entrada. Se a revolução Industrial quisesse entrar aqui, poderia ficar à porta. Em febre de industrialização, o manual ganha alento. Esta é a magia que aqui se vive. Afinal, comércio justo é isso mesmo. Mais do que simples objectos do quotidiano, A Vida Portuguesa é a prova de uma identidade que ainda existe e aqui é orgulho. Viva!"

texto Cláudia Robalo | fotos Humberto Mouco
Revista Comer, Fevereiro 2014


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