quarta-feira, 24 de março de 2010

"Em Portugal fazemos coisas belíssimas"

Quatro meses depois de ter aberto a sua segunda loja A Vida Portuguesa, Catarina Portas continua a dividir os dias entre Lisboa e o Porto, onde tem cada vez mais amigos e raízes. A Caras foi conhecer o espaço na Baixa Portuense e conversou com a empresária sobre o projecto criado há cinco anos a partir de uma investigação jornalística que fez sobre produtos portugueses, aqueles que, décadas depois, ainda mantêm a embalagem original. Quem não se lembra da pasta medicinal Couto? Dos sabonetes Ach. Brito ou Confiança? Das conservas Tricana ou das farinhas Zelly? Do pião e do rapa? Das andorinhas Bordalo Pinheiro ou dos Bordados de Viana? De recordações, estes, e muitos outros produtos Made in Portugal, voltam a estar novamente disponíveis no mercado, porque, não restam dúvidas, o que é nacional é bom. Aos 40 anos, metade dos quais dedicados ao jornalismo e à escrita, Catarina Portas diz estar plenamente realizada e feliz com o sucesso deste projecto, e promete não parar com a restauração da identidade nacional, numa época sem fronteiras e cada vez mais permeável ao que vem de fora.

Quase dois anos depois de ter aberto a primeira loja A Vida Portuguesa, em Lisboa, apostou no Porto. O que a levou a expandir o projecto e como têm sido os primeiros meses? Em Lisboa está a correr muito bem e trazer a loja para o Porto era um projecto antigo. Gosto muito desta cidade! E, tal como esperávamos, está a correr lindamente. Temos tido a visita de muitos portuenses e estão a acontecer algumas coisas engraçadas. Já abrimos o segundo piso e fizemos o lançamento de um livro que levou à loja quatrocentas pessoas. Correu muito bem!

A escolha do espaço na Baixa, uma zona em franca reabilitação, foi intencional? O local para a loja foi muito procurado. Digamos que este espaço foi muito desejado. Quando comecei a procurar uma loja no Porto, só fazia sentido se fosse na baixa, tal como em Lisboa. Aposto no comércio dos dentros históricos e nunca iria para um centro comercial. Procurei desde a Rua de Santa Catarina até aqui, aos Clérigos, e achei que esta era a zona ideal. Vi muitos espaços, mas sempre que olhava para este via-o como o mais desejado.

Por causa da abertura da loja, mudou-se para o Porto e morou cá dois meses. Adaptou-se bem? Gostei muito desses dois meses. Agora venho cá duas vezes por mês para acompanhar de perto o crescimento da loja. Fiz bons amigos e continuo a ser acolhida de forma calorosa no Porto.

Já conhecia bem a cidade? Conheci muito mal o Porto durante quase toda a minha vida, mas quando comecei a fazer pesquisa para o projecto Uma Casa Portuguesa, o Porto foi o ponto de partida, porque tinha mais lojas tradicionais que Lisboa. Ou seja, nos últimos sete anos comecei a passar mais tempo no Porto e fiquei fascinada com o que vi. É uma cidade belíssima, tem uma arquitectura maravilhosa, com pormenores decorativos deliciosos, com azulejos, granitos e cores cativantes. Gosto imenso desta cidade.

Quando se tornou empresária, pôs de parte a escrita? Tenho vários projectos de livros para avançar já este ano, mas com as lojas sobra-me pouco tempo. Agora que já estão em funcionamento, quero alargar a nossa gama de produtos e tratar da exportação. Quero provar que temos produtos fiáveis, pela história e pela qualidade de produção, que, ainda hoje, conta com uma grande quota de manufactura, o que já é raro.

Está a ter um papel muito importante na restauração da identidade portuguesa, através da sua produção. Sente-o? Quando comecei este projecto, era impossível encontrar uma andorinha Bordalo Pinheiro em Lisboa. E hoje em dia já se vendem em vários sítios, o que é muito bom. Os portugueses têm de ter orgulho naquilo que fazem e perceberem que a melhor qualidade de um produto não é ser estrangeiro. Em Portugal fazemos coisas belíssimas que merecem o nosso apreço.

O que é que a levou a dar início a este trabalho? Achei que era uma tarefa quase impossível, portanto, boa para mim. (risos) Eu acreditei e consegui que as outras pessoas também acreditassem que era possível.

E estes produtos trazem-lhe memórias de infância? Tinha muitos brinquedos de madeira. A minha mãe gostava muito de artesanato e comprava-me destes brinquedos tradicionais. Brinquei com o pião, com os ciclistas... e usei toda a vida cadernos da Emílio Braga.

Completa 20 anos de jornalismo. Com tantos projectos, como fica essa faceta da sua vida profissional? Ficou na atitude mais do que na prática. Um dos livros que quero editar em 2010 é de investigação sobre 20 marcas, fábricas e produtos antigos portugueses. E o formato é de reportagem. Apesar de já não praticar jornalismo corrente, a atitude continua a ser a mesma, de investigação, de tratar a informação e de a passar.

Tem saudades do ritmo jornalístico? Não. Nunca fiz um trabalho tão divertido como este. Jamais. E fiz coisas que adorei, mas nunca nada me surpreendeu e preencheu como isto que faço hoje em dia. E é uma felicidade ver este projecto desenvolver-se, porque há muitas pessoas que podem crescer com ele!

Entrevista de Joana Brandão e fotografia de Bruno Barbosa. Revista Caras, 24 de Março de 2010.

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