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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Uma vida a tecer

Por estes dias na TVI, a tarde foi toda do "último tecelão de cobertores de papa da Serra da Estrela". O octagenário Manuel Gonçalves exibiu em estúdio a destreza com que continua a sair do lar para se deslocar à fábrica de José Freire, sempre que as solicitações obrigam. Aprendeu a tecer ali mesmo, em Maçaínhas (perto da Guarda), acabado de sair da escola, era um petiz de 12 anos. "Uma semana para saber deitar a lançadeira a baixo e a cima, trabalhar as pernas, e a maneota da rédea a puxar a lançadeira. Foi sempre a minha vida, foi tecer. Tecer é fácil mas tem outras complicações que custa muito meter na cabeça."

Actualmente, Manuel gostava de poder ensinar os truques do ofício, com mesma a paciência com que lhe foram transmitidos, mas a verdade é que não há quem queira aprender. Gostava de contribuir para manter viva esta profissão de uma vida que também é uma tradição intemporal e que corre o risco de desaparecer consigo. Detém-se a falar da qualidade da lã. Que é "churra", a mais grossa, aquela que é garantia de uma cama quentinha, e que se acreditava ser capaz de afugentar até a trovoada e a peste. "Toda a gente no mundo devia ter em casa uma meia dúzia de cobertores destes." "Porquê, senhor Manuel?", pergunta a apresentadora. "Porque são os melhores" E porque "duram uma vida". Ou duas. Ou mais.

José Freire, o proprietário da fábrica, lembra a altura em que os cobertores eram produzidos em quantidade, para chegar a todo o país e além-mar. Serviam aos pastores no campo como resguardo do frio, aos campinos como parte do seu traje e ao Príncipe de Gales para levar de lembrança da sua visita a Portugal. E o sociólogo Luís Rodrigues, também chamado à conversa, sublinha a importância de "pensar muito a sério na riqueza que o país tem e transformá-la em produtos originais e únicos". Porque afinal, "um país é mais internacional quanto mais souber vender a sua autenticidade".

O programa da TVI está disponível aqui. E, para saber mais sobre os Cobertores de Papa, não deixe de espreitar o blogue A Ervilha Cor de Rosa, em que Rosa Pomar partilha a experiência da sua visita à fábrica e explica o processo de fabrico.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

De farripas a tapetes

"Era uma vez uma artesã, descendente de uma linhagem de tecedeiras, que adquiria junto dos pastores a lã que depois lavava, tratava, fiava e tecia. E, durante o processo de secagem, o quintal enchia-se de farripas brancas, quais flocos de neve".

Podia muito bem ser o princípio de uma história de encantar mas, não só é verídico, como continua a acontecer numa pequena empresa familiar de Mirandela. E o resultado final, que nos chega na forma de tapetes, mantas e demais agasalhos de inverno, é um trabalho prodigioso.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma ovelha na sopa

Catarina Portas. "Uma ovelha no prato da sopa". Foi no Alto Alentejo que ganhou as melhores memórias de Natal. Na casa dos avós Portas, a mesa era imensa e a família numerosa - , em Vila Viçosa, viveu natais cheios de rituais. Criou uma mesa onde brilha um serviço de motivos tradicionais que quase dispensa outras decorações.

A mesa vai ser posta no restaurante Belcanto, que tem uma entrada mesmo em frente d' A Vida Partuguesa, a loja de Catarina Portas no Chiado, em Lisboa. Dentro do restaurante, todos tentam ajudar. Vai ser posta uma mesa para quatro mas juntam-se seis mesas, que o serviço de mesa é imponente e precisa de espaço para respirar. "Uma mesa de Natal deve ter cor, deve ter beleza, deve ter calor e graça", explica a empresária de 41 anos.

No dia em que preparou a mesa de Natal para a Pública, Catarina Portas teve uma contrariedade. Deveria ter inaugurado o segundo andar d' A Vida Portuguesa (Rua Anchieta, 11, Lisboa), mas teve de cancelar a abertura planeada para coincidir com as vendas de Natal porque a entrada da rua foi obstruída par umas obras. Os comerciantes deveriam de ter sido avisados, defende. "Não tinha planeado a abertura do segundo andar para este momenta e teria investido em painéis que dissessem às pessoas que a loja está aqui, que a rua não está fechada."

Por causa desse segundo andar, andou pelos armazéns da fábrica Viúva Lamego, no Intendente de Lisboa, e encontrou um serviço "perfeito" para uma mesa de Natal. Completou-o com os tradicionais copos de diamante da Marinha Grande, na versão Atlantis, e da sua loja, onde se vendem produtos e objectos tipicamente portugueses (desde as andorinhas Bordalo Pinheiro a mantas de lã regionais), vieram as ovelhinhas com guizo. Vão direitinhas para dentro das tigelas da sopa. "Adoro as ovelhas, é o pormenor popular e caloroso. E deve haver urn bocadinho de surpresa."

Há dois anos, Catarina Portas celebrou urn Natal ali mesmo, no Belcanto. "Aconteceu porque hoje em dia tenho uma vida um bocadinho complicada e andávamos todos desencontrados. Então fizemos aqui um Natal, eu, os meus irmãos (os políticos Miguel e Paulo Portas, do BIoco de Esquerda e do CDS-PP, respectivamente), o meu pai (o arquitecto Nuno Portas) e os meus sobrinhos. Foi no dia 23 de Dezembro. Foi aqui porque adoro o Belcanto, é um sítio onde me sinto em casa, quando eu estou doente fazem-me uma canjinha... Tambem era o sítio onde eu sabia que podia chegar a horas!"

De outros natais, tem memórias menos apressadas. "Guardo mais memória dos natais em casa dos meus avós paternos, os Portas, em Vila Viçosa. Era muita, muita gente e a mesa era muito comprida e cheia de comida e de doces. Havia dois doces muito importantes, eu esperava o ano inteiro para os comer. São os meus doces favoritos à face da terra: os nógados, uma espécie de torta feita um torrão, é uma massa, são feitos canudinhos, são cortados, fritos e envoltos em mel; as filhoses enroladas, que é uma tira grande de massa que é enrolada enquanto se frita, é uma obra. Infelizmente, com o desaparecimento dos meus avós, esse Natal desapareceu e tenho algumas saudades." Era uma celebração cheia de rituais: os Portas jantavam cedo e, depois, parte da família ia à Missa do Galo "numa capela muito bonita", em Trena. Os que ficavam em casa conversavam na sala de fumo e esperavam o regresso dos outros. "Quando estávamos todos, cantavamos canções de Natal alentejanas e, depois, abríamos os presentes. Ficávamos a brincar até tarde, ou a jogar à canasta com as tias-avós, e havia uma segunda mesa da ceia."

Havia árvore de Natal - uma tradição que, explica Catarina Portas, só chegou a Portugal com o rei D. Luís, assim como a figura do Pai Natal, e há desenhos que mostram o monarca vestido de vermelho e de saco de brinquedos as costas. E havia urn presépio antigo de peças de madeira. Mas, explica Catarina Portas, vivia-se sobretudo a tradição alentejana: "Eu cresci com essa tradição, que tem a ver com a mesa farta, e com a música, estou a tentar lembrar-me de uma letra em que o menino comprava chapeuzinho. São letras engraçadas, que têm muita ingenuidade e transformam o menino numa criança travessa, um bocadinho como o do Alberto Caeiro."

Catarina Portas, claro, ainda celebra o Natal, Mas até às sete horas do dia 24 está a trabalhar. "A minha visão sobre o Natal mudou bastante desde que tenho uma loja - percebi também a importância comercial do Natal."

Texto de Ana Gomes Ferreira e fotografias de Enric Vives-Rubio. A convite da revista Pública, Catarina Portas preparou uma mesa de Natal original e cem por cento portuguesa.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

77 anos deliciosos

A Vida Portuguesa dá os parabéns à Favorita do Bolhão, que completa hoje 77 anos de uma existência que nos vem deliciando. "A Favorita do Bolhão no centro da urbe portuense, está especializada, além da mercearia fina, em confeitaria, chá e café; a firma, que gira sob a razão social de José Araújo & Cª L.da, é ainda hoje distribuidora exclusiva dos conhecidos e apreciados produtos alimentícios, marca Zelly." Excerto de uma notícia deliciosa (com direito a "intróito" e tudo) de Maio de 1958.

As farinhas alimentícias Zelly são importadas e embaladas pela Favorita do Bolhão, mercearia fina portuense desde 1934. Distribuídas apenas no Norte de Portugal, mantiveram as embalagens originais dos anos 30 a atestar as suas qualidades: a Farinha de Arroz é recomendada para a alimentação de crianças e convalescentes, a Fécula de Batata para pessoas nervosas e irritáveis, os Flocos de Aveia do Canadá são aconselhados pelos intelectuais pois fortalecem o cérebro e os músculos. E, com o Pão para Panados, oferece-se simpaticamente a receita do curioso Bolo Económico.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Prémio de Tipografia

A Vida Portuguesa tem todo o orgulho em apresentar o vencedor do Primeiro Prémio "Escova" 2010. Um galardão atribuído às gráficas, a que a Tipografia Freitas voltou a concorrer e que voltou a arrebatar. Desta vez na categoria "embalagem", com a tão especial e preciosa caixa da andorinha Bordalo Pinheiro concebida por Catarina Portas e pelo designer Nuno Zeferino para A Vida Portuguesa.

Muito nos alegra e muito honra a Freitas, que estimamos como os amigos de longa data que são e que tem vindo a desenvolver um trabalho admirável na área das artes gráficas em Portugal. Falta dizer (como teve a amabilidade de nos explicar o Fernando Freitas) que o prémio, de alcance nacional, distingue os trabalhos realizados em "fine papers" comercializados pela INAPA Portugal e pelo Grupo Arjo Wiggings em todo o tipo de categorias: embalagens, etiquetas, livros, identidade corporativa, etc. Para a Freitas, obrigada e parabéns!

A bela e engenhosa caixa acondiciona a andorinha (a partir dos moldes originais do mais genial criador de louça das Caldas-da-Rainha) e, depois de aberta, também se transforma em material de leitura (numa edição bilingue em português e inglês). Dois em um! Dá a conhecer os pormenores desta edição especial, da história das Faianças Bordalo Pinheiro e deste pássaro negro que é um clássico da decoração de exteriores e interiores dos lares portugueses. Numa edição enriquecida com imagens, incluindo a do desenho original do criador. Um exclusivo da marca A Vida Portuguesa.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Um sonho concretizado

Outra das novidades na nossa mercearia (e que a receita de ontem vinha mesmo a pedir) é o Azeite Angélica. Uma sentida homenagem, em forma de nectar dourado, do editor de fotografia da Visão à avó alentejana Angélica Rosa da Silva. Foi a pensar nela que criou este azeite virgem extra com 0,1% de acidez. E regressou às raízes.

"Nos anos quarenta, já viúva do meu avô, Armando, Angélica Rosa da Silva assumiu os destinos da lavoura e de Manantiz, o monte principal situado a dez quilómetros de Moura, onde durante alguns anos viveu e criou os filhos. A produção de azeitona era, na altura, tal como hoje, a riqueza da propriedade. O azeite que aqui se apresenta é uma homenagem à minha avó Angélica a quem devo o gosto pelo campo e pelas tradições do Alentejo", explica Gonçalo Rosa da Silva

O processo foi acompanhado de perto pelo amigo Pedro Rolo Duarte: "Há tempos, (o Gonçalo) falou-me com entusiasmo de terras herdadas onde noutros tempos a sua avó produzia azeite. Estudou, investigou, percebeu a lógica das variedades da oliveira que os antigos tinham estudado e plantado para que, na mistura final, o azeite conseguisse o sabor e a acidez desejadas. Azeitona galega, cordovil, verdeal, que proporção, que tempo de maturação? Sonhou então voltar a fazer azeite.

Quando o Gonçalo sonha, se apaixona e envolve num projecto, ninguém o consegue deter. E nos últimos dois anos eu fui ouvindo, a espaços, a evolução desta redobrada paixão: plantar as oliveiras, perceber os tempos da azeitona, procurar a garrafa certa, o lagar que cumpria as exigências. Garantir a colheita no tempo, o transporte, os rótulos, as análises, as provas cegas. Há uns meses, o Gonçalo apareceu-me com uma lindíssima garrafa escura, pose antiga, e um rótulo de design clássico e elegante: Angélica. O azeite que ele sonhou. E concretizou."

A concretização, segundo o rótulo, é "uma mistura equilibrada das variedades Galega, Cordovil e Verdeal, provenientes das antigas oliveiras do monte de Manantiz, sob o regime de protecção integrada na DOP de Moura, obtivemos este azeite de cor dourada, sabor intenso e muito frutado".

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Atum Santa Catarina

Herdeira da tradição conserveira centenária da ilha de São Jorge, nos Açores, a Indústria Conserveira de Santa Catarina foi fundada em 1995. Dedica-se exclusivamente às conservas de atum, capturado com linha e anzol através de uma arte de pesca tradicional conhecida como “salto e vara”, um método que selecciona os melhores espécimes e salvaguarda a preservação da espécie, merecendo a certificação “dolphin safe” – um verdadeiro exemplo de sustentabilidade. Assim se explica a qualidade incomparável deste atum, em filetes claros e rosados e de suavíssimo sabor a mar. Disponível ao natural, no melhor azeite ou cozinhado segundo receitas originais, com molho cru ou batata doce, assinala-se a conserva de ventresca, o reputado filete gordo da barriga do atum. Experimente-se para comprovar que este é um atum como mais nenhum.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O elogio da Risca Grande

"Eu trabalho com muitas empresas diferentes, mas não trabalho com produtos de massas nem com coisas que não tenham origem em Portugal. A Risca Grande é uma história extraordinária, de uns suíços que vieram viver para o Alentejo. Chegaram e perguntaram o que se produzia aqui. Azeite. E como se faz azeite? Foram estudar como se fazia. Sete anos depois, o azeite deles ganhou o prémio da BioFach para melhor azeite biológico do Mundo. São uns suíços aplicados (risos). Além disso, os azeites deles são de árvores com cem e quinhentos anos. Este é um bom exemplo da nossa filosofia. Os donos da empresa são suíços mas estão a viver em Portugal, a azeitona é portuguesa, o produto é feito cá, mereceu prémios e tudo... Achei que fazia sentido vender o Risca Grande." Catarina Portas à revista Sábado, 21 de Outubro 2010.

A estima pela azeitona podia não lhes correr no sangue mas, ainda assim, duas famílias de origem suíça (os Bernhard e os Zehnder), decidiram comprar na zona de Serpa uma propriedade de 92 hectares (78 dos quais ocupados por olivais, com um total de 10.000 oliveiras e idades que variam entre os 5 e os 500 anos). Corria o ano de 2000 e, quando tiveram que baptizar a marca e a empresa escolheram “Risca Grande”, a designação esquecida do olival, descoberta num mapa antigo.

Fizeram o trabalho de casa, puseram mãos à obra e iniciaram o cultivo, dois anos depois. Se tinham uma certeza desde o início era a de que queriam seguir as normas da agricultura biológica, para as quais o Alentejo oferece perfeitas condições. O esforço foi recompensado com diversos prémios em concursos internacionais, em várias edições do "Biol" em Itália e do "Biofach" da Alemanha (tão somente a maior feira de produtos biológicos do mundo). Aqui, em Fevereiro de 2009, foi eleito por unanimidade (em prova cega por centenas de profissionais do sector) o melhor azeite biológico do mundo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A festa mais catita

É a festa lisboeta mais antiga e mais catita: n' A Vida Portuguesa gostamos particularmente do Santo António, esse santo douto e bom, padroeiro popular dos amores e milagreiro dos objectos perdidos. Para celebrar devidamente a tradição, temos tudo o que é preciso para a ocasião na mais apurada versão: balões e festões, grelhas e abanicos, material para piqueniques de rua e, claro, tronos e manjericos. Com votos de bela folia, aqui deixamos algumas imagens do Santo António de outros anos...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Tecer a Tradição

Ligada à moda e às artes, fixou-se em Portugal na década de 1960. Foi directora de agâncias de modelos, produziu um filme do 007 e acabou rendida a Monsaraz e às mantas alentejanas, que pôs a circular pelo mundo. Hoje luta pela sobrevivência dos velhos teares. Texto de Gabriela Cerqueira. Fotografias de António Pedro Santos.

Mal galgamos a entrada, parece que recuámos décadas.(...) Estamos na Fábrica Alentejana de Lanifícios, que de fábrica só tem o nome, já que tudo é produzido em teares manuais e conta-se pelos dedos de uma mão quem aqui trabalha. Cheguei a ter 50 funcionários, diz Mizette Nielsen, que adquiriu a fábrica no conturbado período pós-25 de Abril, ainda as instalações eram no centro de Reguengos de Monsaraz. Nos anos 80, mudou tudo para este velho armazém e lagar de azeite, com uma área de 1.600 m2, para resolver o problema da falta de espaço. Hoje sobram-lhe salas e teares, com a queda brutal das encomendas e a escassez de mãos experientes: Antes era chique deixar o campo e trabalhar na fábrica. Agora ninguém quer.

Mizette assistiu à febre da destruição dos teares um pouco por todo o país e não permitiu que fizessem o mesmo em Reguengos. Mantém em uso os originais, provavelmente com cem anos, deixando os teares mecânicos desmontados, a um canto. Já vi iguais em museus da Holanda. Aqui ninguém se interessa em preservar o património, lamenta. Além dos que herdou da antiga fábrica, recolheu alguns para não irem parar à fogueira e outros foram-lhe oferecidos por quem queria desembaraçar-se deles. O projecto que apresentou para transformar este espaço em museu não foi avante, mas não deixa de receber grupos de turistas e visitas de escolas.

Tenho ali um tear recente mas não o uso, as mantas não saem tão perfeitas, comenta Fátima, uma das artesãs assíduas, enquanto passa a lançadeira e ajusta a trama. O tapete que está a finalizar já tem destino - um cliente holandês que fez a encomenda antes de voar até Portugal. Grande parte das peças produzidas responde a pedidos específicos, sobretudo de particulares mas também de empresas e hotéis. Usadas como colchas, tapetes e tapeçarias decorativas, as medidas e os padrões podem variar conforme o gosto do cliente, tendo como base as linhas tradicionais. Sempre em lã, sem qualquer mistura de fibras sintéticas, podem ter riscas, espigas, quadrados, castelos, losangos ou fuzis. Há quem envie fotografias de mantas deterioradas, herdadas dos avós, a pedir uma réplica. Em três dias, é terminada uma manta grande (com uma dimensão de dois metros e quarenta por três), mas já chegaram encomendas bem mais demoradas, como uma passadeira com 26 metros de comprimento.

O aconselhamento de tons e padrões é uma das funções que lhe dão mais gozo: É giro acompanhar as tendências de interior. Durante anos as encomendas incidiram sobre o preto e branco (para exportação), passaram depois ao cinzento e amarelo e, mais recentemente, aos tons terra, ferrugem e vermelho. Na última temporada, também o azul forte e o verde entraram na lista de pedidos, o que dá complicação pelas quantidades que é necessário mandar tingir - nunca menos de 500 kg de lã. Fico falida, diz, apontando para a carga recém-chegada. A lã é comprada em rama, lavada e fiada na Guarda e tingida em Mira de Aire. Antigamente todo o processo era feito na região. (...)

Última sobrevivente? Num congresso na Turquia, concluíram que a Fábrica de Lanifícios Alentejana será a única em funcionamento na Europa, com métodos manuais e seguindo os desenhos originais. Das pesquisas e contactos que tem feito, não encontrou nenhuma congénere europeia. Monsaraz sempre esteve na rota das migrações dos grandes rebanhos. A tradição laneira era muito forte: Os padrões remontam ao tempo dos mouros. os califas faziam o pagamento aos soldados com mantas castanhas e brancas, as mesmas da região. Li uma referência datada de 976 na biblioteca de Córdoba. Havia as mantas de pastor e até há poucos anos as mantas fetivas e de viagem eram obrigatórias em qualquer enxoval. As gentes da terra acabavam de pagar o calote com o dinheiro da apanha da azeitona.

Por toda a fábrica, acumulam-se amostras, algumas com etiquetas dos anos 20 e 30. Mizette continua fascinada com a qualidade e actualidade dos desenhos e tons das mantas de viagem. Como já não tem capacidade para as produzir, chegou a enviar amostras para uma fábrica do Norte. Seria uma pena que isto morresse aqui. Em vez de os designers matarem a cabeça à procura de novos padrões, porque não pegam nestes?

Mizette nasceu na Holanda, mas antes de se fixar em Portugal, em 1962, já tinha vivido em Inglaterra, França e espanha. Durante 12 anos foi directora de agências ligadas à moda, publicidade e cinema. Organizou o primeiro concurso Miss Portugal e esteve incumbida da produção de 007 Ao Serviço de Sua Majestade, o único da série rodado em Portugal. Mudou radicalmente o estilo de vida quando se entregou às mantas alentejanas: Quando me faltarem as energias, quem pega nisto?

Excertos da entrevista publicada na revista Tabu do jornal Sol, 7 de Maio de 2010.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A palavra aos heróis

A Vida Portuguesa tem o pensamento em Vila do Conde, onde amanhã se inicia o primeiro Congresso sobre o Património Industrial. Que conta com a intervenção de dois verdadeiros heróis da produção nacional: o José Fernandes da Ach. Brito (que vai explicar como "Preservar o Passado, Estimular o Presente e Desafiar o Futuro") e o José Vieira da Viarco (com a sua análise sobre "Património Industrial: a Herança Desprezada"). A partir das 16h30 na sala 1 do Centro de Memória de Vila do Conde. Imperdível.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

80 anos bem conservados

A Conserveira de Lisboa está de parabéns. Porque completa 80 anos a conservar o melhor do peixe que dá à costa. Mas também porque continua a apostar num saber fazer português, com uma dose importante de manufactura, embalando à mão ainda hoje as suas latas de conservas.

Em Portugal, conservas há muitas. Mas como as da Tricana são poucas. Utilizam exclusivamente peixe fresco e português: o atum vem dos Açores, a sardinha chega de Matosinhos, as enguias são oriundas da Murtosa. A produção é pequena para que a qualidade seja a melhor - mas a variedade é imensa, de peixes e de receitas. Sempre assim foi para esta marca propriedade da Conserveira de Lisboa, casa lisboeta fundada em 1930, ainda hoje intacta e belíssima, a merecer a visita de turistas de todo o mundo na Rua dos Bacalhoeiros, 34.

"A média de 100 pessoas que passam diariamente pela loja inclui a senhora simpática que vem comprar latinhas de anchovas, estendida e empolada, três de cada; o turista de máquina fotográfica que entra só para espreitar e outros clientes fiéis, como prestigiados chefs portugueses (Fausto Airoldi serviu as sardinhas Minor de aperitivo na inauguração do Casino Lisboa) e estrangeiros." Revela Catarina Sacramento da Time Out. "E não será apenas pelos seus belos rótulos. O conteúdo fala por si."

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Azulejos feitos com amor

Totalmente forrado a azulejos, o edifício que em 1849 viu nascer a primeira Fábrica da Viúva Lamego, no Largo do Intendente em Lisboa, é ainda hoje um dos mais espectaculares da capital. Criando e reproduzindo azulejos pintados à mão desde então, tornou-se uma das mais célebres assinaturas desta arte decorativa que em Portugal se desenvolveu de forma exuberante. As lambrilhas Viúva Lamego escolhidas por A Vida Portuguesa resultaram da colaboração que nos anos 30 se iniciou com vários artistas, promovida por António Ferro, o grande ideólogo da imagem do regime salazarista. Os primeiros motivos foram assinados por pintores como Lucien Donnat, Tomás de Melo, Carlos Botelho, Bernardo Marques e Fred Kradolfer mas, ao longo dos anos, a colecção de desenhos foi sendo enriquecida pelos artesãos da Viúva Lamego.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O charme do estuque está de volta

Já podiam ser adquiridas no Porto mas chegam, pela mão d' A Vida Portuguesa a Lisboa. São as peças do Museu do Estuque, que veio reabilitar uma arte tão significativa como a da azulejaria na capital. A arte do estuque teve o seu apogeu no Porto no século XIX, e o museu tem à sua guarda um espólio muito promissor. Como o dos moldes do Mestre Baganha, grande estucador que inspirou as reproduções que agora disponibilizamos. Por trás deste projecto encontra-se a Crere, empresa especialista em recuperação de estuques, que de momento se ocupa "tão somente" do Salão Árabe do Palácio da Bolsa no Porto. E que promove a salvaguarda de um património riquíssimo, através da sua preservação e divulgação. Movida pela "manutenção da nossa identidade, da alma lusa". Um projecto apaixonante.