sexta-feira, 14 de maio de 2010

Tecer a Tradição

Ligada à moda e às artes, fixou-se em Portugal na década de 1960. Foi directora de agâncias de modelos, produziu um filme do 007 e acabou rendida a Monsaraz e às mantas alentejanas, que pôs a circular pelo mundo. Hoje luta pela sobrevivência dos velhos teares. Texto de Gabriela Cerqueira. Fotografias de António Pedro Santos.

Mal galgamos a entrada, parece que recuámos décadas.(...) Estamos na Fábrica Alentejana de Lanifícios, que de fábrica só tem o nome, já que tudo é produzido em teares manuais e conta-se pelos dedos de uma mão quem aqui trabalha. Cheguei a ter 50 funcionários, diz Mizette Nielsen, que adquiriu a fábrica no conturbado período pós-25 de Abril, ainda as instalações eram no centro de Reguengos de Monsaraz. Nos anos 80, mudou tudo para este velho armazém e lagar de azeite, com uma área de 1.600 m2, para resolver o problema da falta de espaço. Hoje sobram-lhe salas e teares, com a queda brutal das encomendas e a escassez de mãos experientes: Antes era chique deixar o campo e trabalhar na fábrica. Agora ninguém quer.

Mizette assistiu à febre da destruição dos teares um pouco por todo o país e não permitiu que fizessem o mesmo em Reguengos. Mantém em uso os originais, provavelmente com cem anos, deixando os teares mecânicos desmontados, a um canto. Já vi iguais em museus da Holanda. Aqui ninguém se interessa em preservar o património, lamenta. Além dos que herdou da antiga fábrica, recolheu alguns para não irem parar à fogueira e outros foram-lhe oferecidos por quem queria desembaraçar-se deles. O projecto que apresentou para transformar este espaço em museu não foi avante, mas não deixa de receber grupos de turistas e visitas de escolas.

Tenho ali um tear recente mas não o uso, as mantas não saem tão perfeitas, comenta Fátima, uma das artesãs assíduas, enquanto passa a lançadeira e ajusta a trama. O tapete que está a finalizar já tem destino - um cliente holandês que fez a encomenda antes de voar até Portugal. Grande parte das peças produzidas responde a pedidos específicos, sobretudo de particulares mas também de empresas e hotéis. Usadas como colchas, tapetes e tapeçarias decorativas, as medidas e os padrões podem variar conforme o gosto do cliente, tendo como base as linhas tradicionais. Sempre em lã, sem qualquer mistura de fibras sintéticas, podem ter riscas, espigas, quadrados, castelos, losangos ou fuzis. Há quem envie fotografias de mantas deterioradas, herdadas dos avós, a pedir uma réplica. Em três dias, é terminada uma manta grande (com uma dimensão de dois metros e quarenta por três), mas já chegaram encomendas bem mais demoradas, como uma passadeira com 26 metros de comprimento.

O aconselhamento de tons e padrões é uma das funções que lhe dão mais gozo: É giro acompanhar as tendências de interior. Durante anos as encomendas incidiram sobre o preto e branco (para exportação), passaram depois ao cinzento e amarelo e, mais recentemente, aos tons terra, ferrugem e vermelho. Na última temporada, também o azul forte e o verde entraram na lista de pedidos, o que dá complicação pelas quantidades que é necessário mandar tingir - nunca menos de 500 kg de lã. Fico falida, diz, apontando para a carga recém-chegada. A lã é comprada em rama, lavada e fiada na Guarda e tingida em Mira de Aire. Antigamente todo o processo era feito na região. (...)

Última sobrevivente? Num congresso na Turquia, concluíram que a Fábrica de Lanifícios Alentejana será a única em funcionamento na Europa, com métodos manuais e seguindo os desenhos originais. Das pesquisas e contactos que tem feito, não encontrou nenhuma congénere europeia. Monsaraz sempre esteve na rota das migrações dos grandes rebanhos. A tradição laneira era muito forte: Os padrões remontam ao tempo dos mouros. os califas faziam o pagamento aos soldados com mantas castanhas e brancas, as mesmas da região. Li uma referência datada de 976 na biblioteca de Córdoba. Havia as mantas de pastor e até há poucos anos as mantas fetivas e de viagem eram obrigatórias em qualquer enxoval. As gentes da terra acabavam de pagar o calote com o dinheiro da apanha da azeitona.

Por toda a fábrica, acumulam-se amostras, algumas com etiquetas dos anos 20 e 30. Mizette continua fascinada com a qualidade e actualidade dos desenhos e tons das mantas de viagem. Como já não tem capacidade para as produzir, chegou a enviar amostras para uma fábrica do Norte. Seria uma pena que isto morresse aqui. Em vez de os designers matarem a cabeça à procura de novos padrões, porque não pegam nestes?

Mizette nasceu na Holanda, mas antes de se fixar em Portugal, em 1962, já tinha vivido em Inglaterra, França e espanha. Durante 12 anos foi directora de agências ligadas à moda, publicidade e cinema. Organizou o primeiro concurso Miss Portugal e esteve incumbida da produção de 007 Ao Serviço de Sua Majestade, o único da série rodado em Portugal. Mudou radicalmente o estilo de vida quando se entregou às mantas alentejanas: Quando me faltarem as energias, quem pega nisto?

Excertos da entrevista publicada na revista Tabu do jornal Sol, 7 de Maio de 2010.

2 comentários:

KikOgiro disse...

Fiquei deliciada com o que li.
Acabei de adquirir um tear antigo, mas preciso de substituir algumas peças. Sabe como as posso adquirir?
Grata pela atenção.Graça Costa

JR disse...

Olá,

Eu gostava de adquirir um tear para oferecer à minha mulher que gostava de aprender a tecer e ter um tear, pelo que agradeço que me informe onde possa comprar um.

obrigado.

José Ribeiro

email: ribeirjose@gmail.com